terça-feira, 16 de agosto de 2016

Em carta, Dilma admite erros, diz ser inocente e a favor de plebiscito

Ao Senado e ao Povo Brasileiro

Documento de quatro páginas foi lido em entrevista coletiva, nesta terça (16), no Palácio da Alvorada; presidente afastada pede ainda ao Senado que encerre impeachment

Carta Dilma
Presidente afastada voltou a usar a palavra "golpe" para definir processo pelo qual é julgada
PUBLICADO EM 16/08/16 - 16h19
A nove dias do julgamento final no processo do impeachment, a presidente afastada, Dilma Rousseff, divulgou nesta terça-feira (16) uma carta de quatro páginas, na qual disse não poder ser condenada pelo "conjunto da obra", defendeu um pacto pela unidade nacional e manifestou apoio a um plebiscito para antecipar as eleições presidenciais de 2018.
Batizada de "Mensagem ao Senado Federal e ao Povo Brasileiro", a carta trata o impeachment como "golpe" e diz que as denúncias contra a petista são "frágeis e inconsistentes". "Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo 'conjunto da obra'. Quem afasta o Presidente pelo 'conjunto da obra' é o povo e, só o povo, nas eleições", disse.
Muitas vezes criticada até por aliados pela dificuldade em reconhecer erros, Dilma afirmou que na sua "jornada" para se defender do impeachment ouviu "duras críticas" ao governo, "a erros que foram cometidos e medidas politicas que não foram adotadas". "Acolho essas críticas com humildade para que possamos construir um novo caminho", disse.
A presidente afastada afirmou ainda esperar que o Senado encerre o processo de impeachment "reconhecendo diante das provas irrefutáveis que não houve crime". "Sou inocente", afirmou. Dilma disse que seu afastamento definitivo "seria um inequívoco golpe seguido de eleição indireta".
"Estou convencida da necessidade e darei meu apoio irrestrito à convocação de um Plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral." Dilma afirmou que a carta dirigida à população e aos senadores expressava o seu compromisso com a democracia e que seu retorno à Presidência significará a afirmação do Estado Democrático de Direito. "A democracia é o único caminho para sairmos da crise", disse.
Ao comentar a necessidade de sair da crise econômica, Dilma propôs um "amplo pacto nacional baseado em eleições livres e diretas" e que é preciso concentrar esforço para que seja realizada uma ampla e profunda reforma política. "Devemos construir, para tanto, um amplo Pacto Nacional, baseado em eleições livres e diretas, que envolva todos os cidadãos e cidadãs brasileiros. Um Pacto que fortaleça os valores do Estado Democrático de Direito, a soberania nacional, o desenvolvimento econômico e as conquistas sociais", disse. "Esse pacto pela unidade, pelo desenvolvimento e pela justiça permitirá a pacificação do País", afirmou. Em sua mensagem, Dilma comentou ainda que é preciso que haja um "arrefecimento das paixões" que "deve sobrepor-se a sentimento de desunião".
Criticada por sua postura mais fechada, Dilma defendeu o diálogo com o Congresso e com a população para que as demandas do País sejam respondidas e que é por meio do diálogo que o Brasil vai conseguir retomar o crescimento. "A transição para esse novo momento democrático exige que seja aberto um amplo diálogo entre todas as forças vivas da Nação Brasileira com a clara consciência de que o que nos une é o Brasil."
A petista elencou algumas prioridades de seu governo, disse que gerar emprego e elevar a qualidade da educação são prioridade e afirmou que o seu lema persistirá sendo "nenhum direito a menos" Dilma disse ainda que reformas necessárias para Brasil enfrentar a crise foram bloqueadas pelo Congresso, que insistiu "na política do quanto pior melhor". "Pautas-bomba foram impostas", afirmou.
Sem citar o nome do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Dilma disse que "a essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade" e que "jamais se encontrará na minha vida registro de desonestidade, covardia ou traição". "Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém", disse.
A presidente afastada reforçou que honrará os votos que recebeu, repetiu que a democracia é o lado certo da história e afirmou ter orgulho de ser a primeira mulher presidente do Brasil. Dilma lembrou ainda que sofreu com a tortura na Ditadura e que "gostaria de não ter que resistir à fraude e a mais infame injustiça".
Ao dizer que o País atravessa um momento muito grave, Dilma disse que ele pode ser superado. "Esse momento que requer coragem, clareza de todos nós. É um momento que não tolera omissões, enganos ou falta de compromisso com o País", afirmou. Dilma pediu aos senadores "que não se faça injustiça de me condenar por crime que não cometi". "Minha esperança é a do povo brasileiro, que me elegeu duas vezes. Não devemos permitir que uma ruptura fragilize nossa democracia. A democracia há de vencer", afirmou, repetindo que a democracia "é o lado certo da história".
O pronunciamento de Dilma foi realizado no Palácio da Alvorada e durou cerca de 13 minutos. Dilma atrasou a sua fala e assim que chegou quebrou o protocolo para comentar a derrota do futebol feminino nos pênaltis para a Suécia.
Divergências
O tom da mensagem divulgada nesta terça-feira foi alvo de divergências, principalmente entre Dilma e a cúpula petista. O presidente do PT, Rui Falcão, chegou a chamar de "inviável" a proposta de plebiscito popular para antecipar as eleições presidenciais de 2018. A declaração provocou contrariedade no Palácio da Alvorada e escancarou o racha entre o comando do partido e a presidente afastada. O que mais aborreceu Dilma, nos últimos dias, foi o fato de Falcão classificar a consulta popular sobre eleições como "artifício para tentar enganar quem não vai ser enganado", uma vez que a proposta é o eixo central da carta aos senadores.
Dilma decidiu deixar de lado o conselho de aliados e se referiu ao processo de impeachment como um "golpe". A petista quer deixar o documento como um registro histórico de sua resistência e causar constrangimento ao presidente em exercício, Michel Temer.
Dilma está afastada do Palácio do Planalto há 97 dias, quando o Senado autorizou a abertura do impeachment contra ela. Na madrugada do último dia 10, os senadores decidiram torná-la ré no processo. Ela é acusada de crime de responsabilidade pelo atraso em repasses do Tesouro Nacional para o Banco do Brasil custear empréstimos subsidiados no Plano Safra, uma das chamadas "pedaladas fiscais". A presidente afastada também responde pela assinatura de três decretos de suplementação orçamentária que autorizaram despesas em desacordo com a meta fiscal vigente.
Leia carta na íntegra:
Mensagem da Presidenta da República Dilma Rousseff
AO SENADO FEDERAL E AO POVO BRASILEIRO
Brasília, 16 de agosto de 2016

Dirijo-me à população brasileira e às Senhoras Senadoras e aos Senhores Senadores para manifestar mais uma vez meu compromisso com a democracia e com as medidas necessárias à superação do impasse político que tantos prejuízos já causou ao País.
Meu retorno à Presidência, por decisão do Senado Federal, significará a afirmação do Estado Democrático de Direito e poderá contribuir decisivamente para o surgimento de uma nova e promissora realidade política.
Minha responsabilidade é grande. Na jornada para me defender do impeachment me aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas críticas com humildade e determinação para que possamos construir um novo caminho.
Precisamos fortalecer a democracia em nosso País e, para isto, será necessário que o Senado encerre o processo de impeachment em curso, reconhecendo, diante das provas irrefutáveis, que não houve crime de responsabilidade. Que eu sou inocente. No presidencialismo previsto em nossa Constituição, não basta a desconfiança política para afastar um Presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está claro que não houve tal crime.
Não é legítimo, como querem os meus acusadores, afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o Presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. Por isso, afirmamos que, se consumado o impeachment sem crime de responsabilidade, teríamos um golpe de estado. O colégio eleitoral de 110 milhões de eleitores seria substituído, sem a devida sustentação constitucional, por um colégio eleitoral de 81 senadores. Seria um inequívoco golpe seguido de eleição indireta.
Ao invés disso, entendo que a solução para as crises política e econômica que enfrentamos passa pelo voto popular em eleições diretas. A democracia é o único caminho para a construção de um Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social. É o único caminho para sairmos da crise. Por isso, a importância de assumirmos um claro compromisso com o Plebiscito e pela Reforma Política.
Todos sabemos que há um impasse gerado pelo esgotamento do sistema político, seja pelo número excessivo de partidos, seja pelas práticas políticas questionáveis, a exigir uma profunda transformação nas regras vigentes.
Estou convencida da necessidade e darei meu apoio irrestrito à convocação de um Plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições, bem como sobre a reforma política e eleitoral. Devemos concentrar esforços para que seja realizada uma ampla e profunda reforma política, estabelecendo um novo quadro institucional que supere a fragmentação dos partidos, moralize o financiamento das campanhas eleitorais, fortaleça a fidelidade partidária e dê mais poder aos eleitores.
A restauração plena da democracia requer que a população decida qual é o melhor caminho para ampliar a governabilidade e aperfeiçoar o sistema político eleitoral brasileiro. Devemos construir, para tanto, um amplo Pacto Nacional, baseado em eleições livres e diretas, que envolva todos os cidadãos e cidadãs brasileiros.
Um Pacto que fortaleça os valores do Estado Democrático de Direito, a soberania nacional, o desenvolvimento econômico e as conquistas sociais. Esse Pacto pela Unidade Nacional, o Desenvolvimento e a Justiça Social permitirá a pacificação do País. O desarmamento dos espíritos e o arrefecimento das paixões devem sobrepor-se a todo e qualquer sentimento de desunião.
A transição para esse novo momento democrático exige que seja aberto um amplo diálogo entre todas as forças vivas da Nação Brasileira com a clara consciência de que o que nos une é o Brasil.
Diálogo com o Congresso Nacional, para que, conjunta e responsavelmente, busquemos as melhores soluções para os problemas enfrentados pelo País. Diálogo com a sociedade e os movimentos sociais, para que as demandas de nossa população sejam plenamente respondidas por políticas consistentes e eficazes. As forças produtivas, empresários e trabalhadores, devem participar de forma ativa na construção de propostas para a retomada do crescimento e para a elevação da competitividade de nossa economia.
Reafirmo meu compromisso com o respeito integral à Constituição Cidadã de 1988, com destaque aos direitos e garantias individuais e coletivos que nela estão estabelecidos. Nosso lema persistirá sendo “nenhum direito a menos”.
As políticas sociais que transformaram a vida de nossa população, assegurando oportunidades para todas as pessoas e valorizando a igualdade e a diversidade deverão ser mantidas e renovadas. A riqueza e a força de nossa cultura devem ser valorizadas como elemento fundador de nossa nacionalidade. Gerar mais e melhores empregos, fortalecer a saúde pública, ampliar o acesso e elevar a qualidade da educação, assegurar o direito à moradia e expandir a mobilidade urbana são investimentos prioritários para o Brasil.
Todas as variáveis da economia e os instrumentos da política precisam ser canalizados para o País voltar a crescer e gerar empregos. Isso é necessário porque, desde o início do meu segundo mandato, medidas, ações e reformas necessárias para o país enfrentar a grave crise econômica foram bloqueadas e as chamadas pautas-bomba foram impostas, sob a lógica irresponsável do “quanto pior, melhor”.
Houve um esforço obsessivo para desgastar o governo, pouco importando os resultados danosos impostos à população. Podemos superar esse momento e, juntos, buscar o crescimento econômico e a estabilidade, o fortalecimento da soberania nacional e a defesa do pré-sal e de nossas riquezas naturais e minerárias.
É fundamental a continuidade da luta contra a corrupção. Este é um compromisso inegociável. Não aceitaremos qualquer pacto em favor da impunidade daqueles que, comprovadamente, e após o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa, tenham praticado ilícitos ou atos de improbidade.
Povo brasileiro, Senadoras e Senadores, o Brasil vive um dos mais dramáticos momentos de sua história. Um momento que requer coragem e clareza de propósitos de todos nós. Um momento que não tolera omissões, enganos, ou falta de compromisso com o país.
Não devemos permitir que uma eventual ruptura da ordem democrática baseada no impeachment sem crime de responsabilidade fragilize nossa democracia, com o sacrifício dos direitos assegurados na Constituição de 1988. Unamos nossas forças e propósitos na defesa da democracia, o lado certo da História.
Tenho orgulho de ser a primeira mulher eleita presidenta do Brasil. Tenho orgulho de dizer que, nestes anos, exerci meu mandato de forma digna e honesta. Honrei os votos que recebi. Em nome desses votos e em nome de todo o povo do meu País, vou lutar com todos os instrumentos legais de que disponho para assegurar a democracia no Brasil.
A essa altura todos sabem que não cometi crime de responsabilidade, que não há razão legal para esse processo de impeachment, pois não há crime. Os atos que pratiquei foram atos legais, atos necessários, atos de governo. Atos idênticos foram executados pelos presidentes que me antecederam. Não era crime na época deles, e também não é crime agora.
Jamais se encontrará na minha vida registro de desonestidade, covardia ou traição. Ao contrário dos que deram início a este processo injusto e ilegal, não tenho contas secretas no exterior, nunca desviei um único centavo do patrimônio público para meu enriquecimento pessoal ou de terceiros e não recebi propina de ninguém.
Esse processo de impeachment é frágil, juridicamente inconsistente, um processo injusto, desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente. O que peço às senadoras e aos senadores é que não se faça a injustiça de me condenar por um crime que não cometi. Não existe injustiça mais devastadora do que condenar um inocente.
A vida me ensinou o sentido mais profundo da esperança. Resisti ao cárcere e à tortura. Gostaria de não ter que resistir à fraude e à mais infame injustiça. Minha esperança existe porque é também a esperança democrática do povo brasileiro, que me elegeu duas vezes Presidenta. Quem deve decidir o futuro do País é o nosso povo. A democracia há de vencer.
Dilma Rousseff
Atualizada às 1715
AE

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