Ideias
Nos dias tumultuados que antecedem a votação no Senado que poderiam lhe entregar provisoriamente a Presidência da República, Michel Temer encontrou tempo para gravar o vídeo com o pastor Feliciano. Dias antes, recebera o pastor Silas Malafaia, fundador da igreja evangélica Assembleia de Deus – Vitória em Cristo. É um gesto coerente de um político que, na campanha de 2010, como candidato a vice de Dilma, abriu seu gabinete de deputado ao jornal Folha Evangélica: “Acho que Deus me mandou aqui para a Câmara. No meu gabinete, são todos evangélicos”. “Foi um agradecimento pelo meu empenho na votação do impeachment”, diz Malafaia, a respeito do encontro com Temer. “Se alguém fez campanha pressionando deputados evangélicos na questão do impeachment, fui eu. Tenho um Twitter muito forte. Sabia que tinha um jogo de negociata para votar a favor do governo. Avisei que se deputado evangélico topasse negociata, eu poria um adversário no Estado dele, para derrotá-lo na eleição.” Dos 189 deputados da Frente Parlamentar Evangélica presentes à votação, 159 (84%) aprovaram o impeachment. É um percentual muito acima dos 72% observados no total da Câmara, ou dos 73% observados na Frente Parlamentar Católica.
Juntos, católicos e evangélicos formam um impressionante contingente de 317 deputados, contra 196 que não pertencem a nenhum dos dois grupos (leia o gráfico a seguir). O grupo evangélico representa o pensamento dos pastores dentro do Congresso. Maior do que a soma das bancadas de PMDB (66 deputados), PT (60) e PSDB (52), a Frente Evangélica foi decisiva para a aprovação do impeachment de Dilma na Câmara. Como disse o jornal El País ao analisar as justificativas apresentadas por deputados: “Deus derruba a presidenta do Brasil”.
>> O jeito evangélico de pedir votos
Eleito presidente, Lula retribuiu o apoio de Malafaia ao dar-lhe uma das 90 cadeiras no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, criado para aproximar o governo da sociedade. Chefe de gabinete e amigo do presidente, o ex-seminarista Gilberto Carvalho foi encarregado de dialogar com movimentos sociais. “Logo vi que o Conselhão não resolvia nada, não mandava em nada. Era só balela, uma fogueira de vaidades”, diz Malafaia.
Devastado pelo escândalo do mensalão, em 2005, o governo Lula buscou forças em sua militância mais fiel — e distanciou-se da agenda dos religiosos. Em 2006, lançou o Programa Brasil Sem Homofobia, para combater nas escolas a intolerância contra homossexuais. “Ideologia de gênero não passa de erotizar criança”, diz Malafaia. “A coisa mais covarde que tem é colocar criança indefesa na mão de esquerdopatas ensinando.” Anos depois, esse programa daria origem a uma série de vídeos educativos, produzidos por ONGs, com recursos do MEC, contra homofobia. O material ficou conhecido como “kit gay”. Para derrubá-lo, o então deputado Anthony Garotinho (PR-RJ), vice-presidente da bancada evangélica, ameaçou parar as votações da Câmara e convocar o então ministro Antonio Palocci a explicar negócios suspeitos. Em menos de 24 horas, o governo recuou.
A tensão permanente era administrada pela habilidade política do presidente. “Lula tinha equilíbrio, conseguia ouvir os dois lados”, diz o bispo Rodovalho, presidente da Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil (Consepab) e do Ministério Sara Nossa Terra. Nem Lula, porém, conseguiu conter o desconforto dos religiosos ao assinar, em 2010, o Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). O texto propõe leis para descriminalizar o aborto e proibir símbolos religiosos em lugares públicos, além de permitir casamento civil e adoção de crianças por homossexuais. “Foi um documento extremamente ousado”, diz Ricardo Mariano, professor de sociologia da religião da Universidade de São Paulo (USP). “O governo do PT não soube separar demandas da sociedade e programa de governo”, diz o deputado federal João Campos (PSDB-GO), líder da Frente Evangélica. “Tentou impor mudanças sociais por decreto, sem discutir com o Parlamento.”
O debate sobre questões morais dominou a eleição presidencial de 2010. A candidata Dilma, que em anos anteriores defendera o direito ao aborto, divulgou uma “Carta Aberta ao Povo de Deus”, dizendo que costumes seriam um problema do Congresso. “Dilma cumpriu o que prometeu”, diz Malafaia. “Tirando a semana retrasada, quando assinou uma lei que libera o banheiro feminino para rapazes que se sentem mulheres, ela não se meteu nessas questões. O problema com ela foi mais de estilo.”
>> O poder do voto evangélico na eleição presidencial de 2014
Ao demitir Gilberto Carvalho, em 2015, Dilma ficou sem interlocução com os religiosos. “No início, achamos que ela manteria o jeito de Lula. Mas não”, diz Rodovalho. “Nunca participou de um evento, nunca nos recebeu no Palácio para discutir políticas do segmento.”
Quando o processo de impeachment foi aberto, os evangélicos tinham pronto o discurso para aprová-lo. O PRB entregou o ministério que tinha a cinco dias da votação na Câmara, votou em bloco contra Dilma e recebeu de Temer a oferta da pasta da Ciência e Tecnologia.
*Da Agência Lupa, especializada na checagem de dados e discursos públicos. @LupaNews
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comentário
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há 6 horas
Historicamente
nós evangélicos nunca fomos partidários de
Comunismo/socialismo/marxismo, pois estas ideologias só trazem fome e
miséria. Não precisamos que o Estado seja o nosso provedor. O Estado tem
que devolver de maneira correta e honesta o dinheiro dos nossos
impostos. Não precisamos da Esquerda para inclusão social. A melhor
forma de inclusão social chama-se Trabalho e Educação.
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