quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Dilma e a renúncia


20/08/2015

Por: Antônio Álvares da Silva*
O Brasil atravessa, como todo país em algum momento de sua história, uma grave crise. Acúmulo de erros administrativos e uma profunda reforma das instituições políticas, muito falada mas nunca realizada, agora abalam o país como um tumor aberto que precisa ser lancetado até o fim.
 
A democracia é um sistema de governo livre, ágil, aberto às boas e más ideias. Porém uma coisa é certa: não anda nem se revela através de instituições envelhecidas que não permitem o circuito de criações e pensamentos novos. Não aceita o tradicional arranjo de querer colocar o novo sobre mecanismos velhos. Tudo emperra e a máquina sinaliza com crises que pedem mudança.
 
Pretende-se agora resolver a grave situação que vivemos, através de “jeitinhos” bem brasileiros e, como talismã mágico, aponta-se a renúncia da presidente como saída. O poder que Dilma Rousseff detém não provém de um passe de mágica nem de tortuosos meios antidemocráticos que já experimentamos em nossa história. O povo, numa eleição limpa e disputada, colocou-a no mais importante cargo do país. Para destituí-la só com o mesmo instrumento democrático que a levou até lá: o voto popular. Se for de sua vontade, pode exercer o direito unilateral da renúncia. Mas nunca mediante constrangimentos para satisfazer a arranjos e conchavos políticos.
 
O vice-presidente afirma que a nação precisa de um nome que a pacifique e recomponha os elos perdidos da unidade nacional. Mas ele já tem na mão estes instrumentos. Resta saber usá-los com presteza e inteligência. O governo tem, sim, legitimidade porque exerce o poder em nome do povo, segundo a Constituição. É preciso agora empregá-lo na solução de nossos problemas.
 
Se tudo caminha para um pacto nacional, vamos impulsionar esta tendência. A democracia é um sistema aberto. Por isto é que sobrevive a todas as crises. Enchê-la adequadamente com as motivações políticas do momento histórico é a função primordial dos políticos.
 
A crise não é de pessoa, mas estrutural. Vem de longe. Não foi causada pelo atual governo. Os que aí estão, urdindo golpes brancos para ganhar na política aquilo que não obtiveram no voto popular, não têm credenciais que autorizem a pensar que farão melhor do que a presidente. Não se troca de ideias, simplesmente trocando de pessoas ou nomes. Ou mudam-se as estruturas ou o barco naufraga com todos.
 
Se em todo momento de instabilidade fôssemos exigir renúncia de presidentes, nenhum deles teria permanecido no poder. Os presidentes da Câmara e do Senado são acusados de corrupção. Alguém falou em renúncia destes políticos para compor a crise? Pelo contrário, o que se espera deles, enquanto estiverem no poder, é que apresentem propostas e soluções, votando com coragem a reforma de fundo da qual anda tão necessitada a democracia brasileira.
 
Aliás, foi do Senado que veio a primeira proposta que o governo encampou, naturalmente com modificações. Eis aqui o começo do pacto. Sem renúncias forçadas e sem arranhões em nossas instituições. Nada substitui a vontade da nação legitimamente exercida. Está certa a presidente em resistir. Não deve entregar o poder a quem o povo não escolheu pelo voto.
 
Está na hora de se constituir o pacto previsto pelo vice-presidente Temer, mas dentro dos parâmetros democráticos. Por ele todos haveremos de lutar. As dificuldades de uma democracia se curam com mais democracia. Não com arranjos políticos que no fundo querem arrancar das mãos do povo o direito que ele tem de escolher democraticamente seus representantes.
 
*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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