Estado propõe projeto que permite usar depósito judicial para driblar crise
Câmara - Estados e municípios podem usar 70% do dinheiro apenas nos quais sejam parte

Em meio a uma crise orçamentária generalizada, dois projetos de lei polêmicos buscam aliviar a pressão nos cofres públicos. Em âmbitos federal e estadual, medidas propõem o uso de recursos de depósitos judiciais para desafogar as contas.
 
Com processo mais adiantado, a proposta federal, mais conservadora em relação a valores e gastos, depende apenas da sanção da presidente Dilma. Já o projeto de autoria do Executivo estadual, que prevê amplo uso dos depósitos judiciais em Minas, ainda deve ser votado em plenário na próxima semana.
 
Apesar de convergentes em relação ao tema, vistas com mais cuidado, as propostas acabam se mostrando bem distintas. A emenda ao Projeto de Lei Complementar 37/2015, aprovado em segundo turno pela Câmara dos Deputados na última terça-feira, estabelece que estados e municípios podem usar 70% do dinheiro referente a processos judiciais apenas nos quais sejam parte.
 
O recurso deve ser empregado exclusivamente no pagamento de precatórios, dívida pública fundada, despesas de capital e recomposição dos fluxos de pagamento e do equilíbrio dos fundos de previdência. Os outros fins, que não o pagamento de precatório, só podem ser acionados se houver a quitação da totalidade das dívidas de precatórios.
 
Já o Projeto de Lei 2.173/15, que tramita na Assembleia Legislativa, prevê que o Executivo possa fazer uso de 75% de todo o dinheiro depositado em juízo no Estado, algo em torno de R$ 6 bilhões. Montante esse que inclui recursos de processos de particulares e prefeituras. Inclusive o valor referente a depósitos de particulares, que não envolvam o Estado, são a maioria do bolo milionário.
 
A proposta mineira, de autoria do governador Fernando Pimentel (PT) e da presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ainda estabelece que o recurso seja gasto com o pagamento da previdência dos servidores e outras despesas de custeio. O texto adverte que, se o projeto não for aprovado, a partir de agosto deste ano poderá haver contingenciamento sobre o pagamento dos salários de servidores da ativa e aposentados e nos repasses de recursos para os demais poderes.
 
Entretanto, a proposta que corre na Assembleia Legislativa não engloba os municípios, como a federal. Uma distinção que já causa mal-estar entre Estado e prefeituras. Para BH, que tem cerca de R$ 450 milhões em dívidas de precatórios, o projeto que aguarda sanção da presidente seria um desafogo nas contas.
 
“O município poderia pagar esses precatórios e usar o dinheiro que está programado para o pagamento dessa dívida até 2020 para outros investimentos”, explica o procurador-geral de Belo Horizonte, Rúsvel Beltrame.
 
TJMG acha prematuro considerar a proposta inconstitucional
 
O presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador Pedro Bitencourt Marcondes, também autor do PL 2.173/15, afirma que a proposta não pode ser considerada inconstitucional pelo fato de ser semelhante à de outros estados, como Rio de Janeiro, porque esta ainda será julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
 
Segundo ele, a lei do Rio de Janeiro é semelhante à de Minas Gerais, mas só está canalizada para pagamento de previdência e precatórios. “A daqui é mais abrangente. Já a do Rio será julgada pelo STF. Ou seja, ainda tem a presunção de constitucionalidade, como toda lei tem. Na minha leitura, o projeto de lei não é inconstitucional”, sustenta Bitencourt.
 
O Ministério Público Estadual acredita que a decisão do STF terá reflexos em todos os estados. Por meio de nota, porém, informou que vai aguardar a decisão do STF para se pronunciar. “A questão já está em análise pelo Poder Judiciário, uma vez que tramitam no STF duas Ações Diretas de Inconstitucionalide (ADI) contra leis semelhantes em outros estados. Ambas questionam o uso dos depósitos judiciais pelo Executivo”.
 
O presidente do TJMG garantiu que o Judiciário só concordou com o PL porque quem depositou em juízo não será prejudicado. “O depositário não sofrerá nenhum risco. Quando tiver que ser sacado, o valor do depósito estará lá para ser retirado imediatamente. Não haverá nenhum risco”, afirmou. “É evidente que o Estado está com problemas econômicos muito sérios, mas essa não foi a razão para a proposição da lei”, completou.
 
Prefeituras
 
A possibilidade de as prefeituras também aproveitarem do mesmo mecanismo proposto pelo Estado está descartada, na avaliação de Bitencourt. “A prefeitura não legisla sobre direito financeiro. Apenas o Estado e a União têm competência concorrente para legislar neste caso”.
 
OAB
 
A seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil prepara uma audiência pública para discutir o projeto de lei com representantes da entidade, do governo e do Legislativo na próxima quinta-feira, na sede da entidade, em Belo Horizonte. De acordo com o presidente da OAB, Luís Cláudio Chaves, o objetivo é colher o maior número de opiniões sobre a proposta.
 
Sindifisco vê brecha para o endividamento do governo
 
A proposta do Tribunal de Justiça e do governador Fernando Pimentel abre brechas para o endividamento do Estado, avalia o diretor do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG), Wertson Brasil.
 
“Esse acordo do chefe do Executivo com o chefe do Judiciário é uma autorização de endividamento do Estado, porque o governo terá que devolver esse dinheiro corrigido”.
 
Para Wertson, é preciso uma garantia de que o recurso, uma vez nos cofres do Estado, esteja imediatamente disponível para devolução ao cidadão que fez o depósito judicial.
 
“Caso contrário, seria quebrar o princípio democrático de ampla defesa e do direito do contraditório”, afirmou.
 
O diretor do Sindifisco prevê ainda que a aprovação do projeto de lei possa acarretar outro problema. De acordo com ele, é possível que isso implique na morosidade da Justiça. “A população pode suspeitar se o Judiciário irá ou não manter a mesma dinâmica de julgamento, já que o Estado estará utilizando o dinheiro. É um risco, mas confiamos que isso não deverá ocorrer” .
 
Wertson pondera que nos casos de depósito judicial em que o Estado é uma das partes, os valores, no futuro, têm grandes chances de integrar o caixa do governo de qualquer forma. “Parte do dinheiro vai para o Estado em algum momento. A chance de isso acontecer é grande. Agora, o governo precisa de uma gestão emergencial para alcançar o equilíbrio. É preciso dar ao Estado governabilidade na crise”, concluiu o sindicalista.
 
“Gostaria de deixar bem claro que o Poder Judiciário só concordou com o projeto porque viu a possibilidade de se preservar o depositário. O TJMG garante isso e o Tesouro do Estado também”
PEDRO BITENCOURT, PRESIDENTE DO TJMG

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