sábado, 9 de maio de 2015

TUDO QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE LIBERLAND, O PAÍS AUTOPROCLAMADO LIBERTÁRIO QUE ACABA DE NASCER


Conheça o país onde o imposto não é obrigatório, extremistas são proibidos e os direitos individuais são levados a sério.
Liberland

Por Leônidas Villeneuve
13 de Abril de 2015: enquanto grande parte do mundo ocidental fixava suas atenções nos Estados Unidos, onde Hillary Clinton acabava de anunciar sua pré-candidatura às eleições presidenciais, um homem sorrateiramente fundava um país no continente europeu.
Com a ajuda de um grupo de amigos, o analista financeiro Vít Jedlička, de origem tcheca, fincou uma bandeira num território não ocupado localizado entre a Sérvia e a Croácia e se proclamou presidente da porção de terra: nascia Liberland, ou melhor, a República Livre de Liberland, que ironicamente pretende seguir um modelo de governo totalmente contrário ao proposto pela candidata americana que iniciou sua campanha primária no mesmo dia em solo yankee.
Nada de guerras, negociações diplomáticas ou desapropriações: a história da micronação, que reivindica uma área de 7 km² no meio do Rio Danúbio, é tão pacata quanto seu território – atualmente ocupado por árvores, animais silvestres e os amigos de Jedlička.
Mesmo com esse início abrupto e silencioso, o minúsculo país fez muito barulho na internet: um site criado para divulgar a nova nação já conta com mais de 300 mil pedidos de cidadania – e Liberland mal completou um mês de vida.
Mas não se engane, seu sucesso não aconteceu por acaso. A proposta de Jedlička é fundar a primeira nação autoproclamada libertária, com uma legislação enxuta e que dê o máximo de liberdade para seus cidadãos, enquanto limita fortemente o poder de atuação dos políticos. Até mesmo os impostos devem ser aplicados de forma voluntária – quem não estiver satisfeito com os serviços públicos poderá simplesmente recusar o pagamento das taxas.
“Nós somos uma nação de pessoas insatisfeitas com o status quo, com a interferência do Estado e os grandes impostos. E o que realmente faz uma nação, senão um sentimento comum e a aproximação com um ideal?”, diz.
Apesar do furor em torno do novo país, ele ainda enfrenta alguns problemas sensíveis, como a própria localização e a falta de reconhecimento internacional por parte de outros países.

O que Liberland já possui

map
Até o momento, Liberland vem sendo bem organizada no papel: já existe um esboço de uma constituição, um código legal, uma bandeira, um lema (“Para viver e deixar viver”) e um brasão. Seu site ainda conta com fóruns de discussões separados por idiomas, que já somam mais de 5 mil tópicos. Os maiores fóruns são o Inglês, o Turco e o Árabe, respectivamente.
A bandeira do país foi desenhada do zero e cada cor, símbolo e signo possuem um significado claro:
“O amarelo representa o capitalismo ou o livre-mercado, o preto, a insubordinação [ao Euro]. O pássaro é pela liberdade, que é um aspecto importante de nossa bandeira. Também temos uma árvore que significa abundância; o Sol a energia; e o rio é uma referência ao Danúbio, onde estamos localizados”, afirmou o presidente do país ao Quartz.
Liberland_vlajka
Já o Brasão, ele explica, foi desenvolvido antes da “conquista” do território.
“Para ser sincero, nós já tínhamos isso antes de sabermos onde Liberland se localizaria”, diz.
Liberland_znak
O presidente do país também vem trabalhando duro para conquistar o reconhecimento da nação como legítima.
Nos últimos dias, já visitou a Croácia e a Sérvia e conversou com as autoridades diplomáticas de ambos países. Também foi até a Suíça, onde conseguiu uma parceria com uma seguradora que fará o serviço de reconhecimento de posses e propriedades em Liberland.
Liberland também já possui um consulado honorário na Sérvia, a 5 km de distância de sua autoproclamada fronteira e 100 títulos honorários de cidadania, que foram distribuídos num evento realizado no dia primeiro.
Fora dos projetos oficiais, já existem dezenas de páginas no Facebook desenvolvidas por entusiastas do projeto com sugestões para o desenvolvimento do país. Autoridade monetária (uma espécie de Banco Central), instituto de pesquisa demográfica e até um clube de arquitetos já possuem comunidades online e adeptos, apesar de ainda não existirem fisicamente.
As dimensões de seu território também não parecem ser um entrave para o desenvolvimento da micronação – Liberland perde apenas para Mônaco e o Vaticano no ranking de menores Estados por área, mas segundo estimativas feitas pelo Business Insider, o território poderia abrigar até 120 mil pessoas caso atingisse uma densidade populacional próxima da registrada na Ilha de Manhattan.
Jedlička, o presidente, promete que já está se empenhando no planejamento urbano do país e possui arquitetos e urbanistas renomados ao seu lado, que, segundo ele, participaram do desenho urbano de Dubai.
Mas não se empolgue com a sugestão de ideias, algumas das organizações propostas por entusiastas do Facebook podem nem sair do papel, como a ideia de uma autoridade monetária: o país possivelmenteirá adotar o Bitcoin como moeda oficial, reafirmando seu compromisso com o pensamento libertário, a principal corrente ideológica a apoiar a moeda criptográfica.
Outras organizações virtuais também são amadoras e não apresentaram nenhum projeto concreto até agora e as páginas parecem ter sido criadas simplesmente para reservar o nome na rede social.

Os desafios de Liberland

6ed945246be7c0095ecaed68004826f9
Porém, uma outra coisa que também pode não sair do papel é o próprio país.
Infelizmente, ainda existe muito a ser feito para que o pequeno pedaço de terra ocupado por Jedlička torne-se um país de fato.
Até o momento, nenhum país reconheceu a legitimidade de Liberland. Nem mesmo a Croácia e a Sérvia, que anteriormente disputaram a soberania do território, tomaram um posição oficial sobre o assunto. O presidente da micronação afirma que já enviou cartas para governos de diversos países, mas nenhum deles declarou qualquer forma de apoio oficial até então.
Sem o reconhecimento internacional, o país não teria força diplomática e ficaria impedido de realizar comércio exterior. Também não teria voz em assembleias e reuniões que poderiam votar medidas contrarias a seus interesses, algo que colocaria em risco sua soberania.
Também existem problemas com a infraestrutura: o território de Liberland mal conta com estradas pavimentadas. Água, apesar de existir em abundância, precisaria ser tratada e é possível que os sérvios e os croatas não gostem muito da ideia de ter um novo país utilizando as águas do Danúbio – que aliás, pode ser prejudicado caso não exista um programa adequado de manejamento do esgoto.
A eletricidade, no entanto, parece não ser mais um empecilho: na última semana, a Tesla Motors anunciou uma bateria caseira que pode reter a energia captada por placas solares e alimentar uma residência de forma semiautônoma. Aplicada em grande escala, as placas podem tornar o país independente energeticamente.
Mesmo com esses desafios em vista, Jedlička promete não se intrometer na infraestrutura do país como presidente: todos os serviços serão tocados por empresas privadas, ele promete.
“É possível que tudo seja feito dessa forma”, afirmou numa entrevista ao Business Insider.
A forma de imigração também está gerando algumas polêmicas: pessoas com antecedentes criminais e histórico de apoio a ideologias totalitárias não serão aceitas no país, o que vem sendo visto como uma forma de segregação por alguns libertários – apesar disso, é preciso admitir que Liberland ainda assim terá um sistema de imigração muito mais livre do que qualquer outro país do globo.
cd81b6c3dbb8cbc1a084317cd5abe907
Não só críticas atingem seu modelo de obtenção de cidadania, que já está sendo vítima de hoaxes:existem mensagens falsas circulando pelas redes sociais sobre um suposto pronunciamento de Jedlička alertando que árabes, chineses, sírios, curdos, russos e diversas outras nacionalidades seriam excluídas do processo de obtenção de permissão de residência. A falsa notícia começou a se espalhar pelo fórum oficial e chegou até as redes sociais, levantando uma onde de críticas ao projeto da micronação.
Aparentemente, os oficiais do governo de Liberland não se preocuparam muito com o hoax, se limitando a colocar um breve aviso sobre mensagens falsas no topo do fórum. Mas a experiência acabou evidenciando a falta de controle sobre a divulgação de projetos oficiais do país nesse estágio inicial de desenvolvimento.
A localização do país também pode ser um problema: é impossível chegar até lá sem passar antes por dentro da Croácia ou da Sérvia e as dimensões podem ser um empecilho para a construção de um aeroporto.
Também seria necessária a construção de uma ponte sobre o Rio Danúbio, para que o acesso não fique restrito a embarcações, principalmente para quem tentar entrar a partir da Sérvia – existem algumas trilhas que conectam o país com a Croácia.
Mesmo com todos esses problemas pela frente, o prognóstico é positivo: Liberland tem muito potencial.
Em seus primeiros dias de vida, o país já havia atraído milhares de pessoas das mais diversas regiões do globo que se juntaram espontaneamente para planejar um modelo de nação. O número de pedidos de cidadania também impressiona: caso o país aceitasse todos os 300 mil pedidos realizados em seu site, contaria com uma população do tamanho da Islândia – o que torna Liberland uma “micronação” não tãomicro assim.
Seu presidente também tem experiência política: Jedlička tem um amplo histórico de militância política em seu país de nascimento (preside um diretório regional do Partido dos Cidadãos Livres).
A história já demonstrou como Estados minúsculos podem florescer economicamente: Hong Kong, Liechtenstein, Singapura e Mônaco são alguns exemplos de nações minúsculas que, mesmo sem recursos naturais abundantes, conseguiram prosperar através de um Estado enxuto.
Apesar de ainda não existir um reconhecimento oficial da nação por outro país soberano, no último dia 2, o USA Today, maior jornal em circulação nos Estados Unidos, fez uma declaração de reconhecimento de Liberland e de Vít Jedlička como seu presidente.
Assim, se depender da força de vontade de Jedlička e da internet, Liberland deverá ter sua existência reconhecida em breve e se tornará o primeiro país totalmente desenhado pela ordem espontânea: uma aula de economia a céu aberto.
Para ele, o país é a realização de um sonho.
“Tem uma ordem espontânea tomando espaço. Algumas pessoas planejaram uma cidade completa em 3 dias e outras estão realmente interessadas em se mudar e investir […] O que era um sonho agora realmente parece possível”, conclui.

Nenhum comentário: