quinta-feira, 7 de maio de 2015

O Brasil não é um país sério


Manoel Hygino
Manoel Hygino
mhygino@hojeemdia.com.br
  


Há pouco, a imprensa questionou quem seria efetivamente o autor da frase “Que país é este?”, atribuída ao ex-governador Francelino Pereira. Há afirmações que se tornam populares, mas nem sempre se consegue identificar quem as pronunciou. Podem, aliás, ser maioria.
É o caso de outra frase surgida após a Guerra da Lagosta, um episódio ridículo, na opinião do antigo embaixador Alves de Souza. Aconteceu, em síntese, assim: escasseando essa pesca na costa francesa, a maior empresa do tipo ali passou a buscá-la na África, tendo Dakar como base. Ocorreu também que, no continente próximo, a pesca foi pobre e a Europa rica não abria mão da delícia à mesa.
Pleven, antigo presidente do Conselho da França, amigo e correligionário do general De Gaulle, pediu ao Quai d’Orsay que telegrafasse ao seu embaixador no Brasil, solicitando ao governo brasileiro licença para que navios franceses iniciassem o trabalho, com esse fim, no Nordeste do Brasil.
O embaixador Jacques Baeyens, por intermédio do Cerimonial do Palácio do Planalto, obteve uma audiência com o presidente João Goulart, a quem se transmitiu o pedido. Jango aquiesceu e deu instruções para que os pesqueiros franceses iniciassem a pesca. Ocorreu o imperdoável: o assunto morreu ali mesmo, ao que tudo leva a crer. A Embaixada do Brasil não tivera informação das gestões do embaixador francês junto a Goulart e o Itamaraty não foi comunicado a respeito.
Os pesqueiros entraram em ação, até que o senador Fernando Barros de Carvalho, amigo de Jango, o advertiu de que as companhias brasileiras de pesca estavam indignadas com a licença aos franceses e amargando um prejuízo de quatro milhões de dólares anuais. O presidente imediatamente deu instruções para suspender a licença de atuação dos barcos estrangeiros. Um navio de guerra seguiu para o Nordeste, sequestrou e conduziu a Recife dois pesqueiros franceses, já carregados. Foi um deus- nos- acuda. A imprensa aproveitou o incidente. Embarcações brasileiras patrulhavam a costa pernambucana e Paris mandou uma canhoneira da Marinha de Guerra para proteger os barcos franceses. O chanceler Araujo Castro conversou com Jango, alertou-o, mas o presidente considerou o assunto “sem importância”.
De Gaulle convidou, em seguida, o embaixador Alves de Souza, nosso embaixador em Paris, para um encontro decisivo. O presidente não concordava com os argumentos brasileiros. Quando saiu do Palácio, o diplomata foi assediado pela imprensa e correspondentes dizendo nada ter a declarar. À noite, numa recepção oferecida pelo presidente da Assembleia nacional, Jacques Chaban-Delmas, em sua residência, o jornalista Luiz Edgard de Andrade, indagou a Alves de Souza sobre a entrevista com De Gaulle.
O diplomata lembrou-se do samba “A Lagosta é nossa” e terminou a conversa, afirmando: “Luiz Edgard, “le Brésil n’est un pays sérieux”. A frase pegou e se popularizou, atribuída a De Gaulle. A conversa, informal, ganhou âmbito nacional. Mas Alves de Souza comentou que o herói francês, “muito bem educado, pela sua formação e temperamento, não pronunciaria a frase tão francamente inamistosa do chefe da missão que ele mandara chamar”. Mais um equívoco?

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