domingo, 3 de maio de 2015

Duas faces de um país dividido

RINGUE

Em um córner, Jair Bolsonaro, em outro, Ivan Valente, representantes de ideias que ocupam mentes e ruas

PUBLICADO EM 03/05/15 - 03h00

Duas faces de um país dividido

Em tudo o que se pensar, eles aparecem em lados opostos. Um é do Partido Progressista, militar da reserva, com formação conservadora e identificado com a direita. O outro é do Partido Socialismo e Liberdade, representante da esquerda ideológica brasileira. Combateu os militares durante a ditadura. Desde lá, os dois travavam lutas em lados diferentes. Décadas se passaram, e, vê-se, muito não mudou. Hoje, Jair Bolsonaro (PP-RJ) e Ivan Valente (Psol-SP) ocupam de novo um mesmo espaço, mas com bandeiras opostas. Ambos são deputados federais e, com o poder do voto parlamentar, tentam aprovar mudanças, conforme seus ideais.

O TEMPO elencou oito pautas atuais em discussão no Congresso Nacional e na sociedade e ouviu a opinião de Bolsonaro e Valente sobre os temas. Não houve questão em que apresentaram similaridade de pensamento. Em áreas de conjuntura política, como a reforma política ou a avaliação do governo Dilma Rousseff (PT), cada um traz pontos de vista diferentes sobre as falhas do governo ou os problemas das propostas de mudança no sistema político-eleitoral.

A distância se amplifica quando se entra em temas mais delicados e polêmicos, como a liberação da maconha ou a descriminalização do aborto, assim como a redução da maioridade penal e a revogação do Estatuto do Desarmamento. Aí, é que vai cada um para um lado mesmo. “Prefiro essa canalhada, mesmo menor de idade, em pé na cadeia, do que nós, cidadãos de bem, deitados no cemitério” e “eles querem colocar mais gente na cadeia. Vão transformar os menores em pós-graduandos em crime” são dois recortes de pensamentos de Bolsonaro e Valente, respectivamente, que dão um aperitivo dessa diferença que se expressa no parlamento e, mais, reflete uma divisão social do Brasil, que hoje assiste ao fortalecimento de ideais conservadores e à tentativa da esquerda de se reinventar e avançar em ideias mais modernas. Boa batalha.

Avaliação do governo Dilma

Ivan Valente
É um governo refém do mercado financeiro, acovardado, que prometeu uma coisa na campanha e que teve que fazer outra, que é cumprir a agenda perdedora de Aécio Neves. Por outro lado, tem os escândalos políticos de corrupção, particularmente da Petrobras, atinge principalmente o partido do poder, embora o número de corruptos envolvidos e a corrupção atinjam diversos partidos da base ou da oposição. O governo também está encurralado pelo lado da perda da bandeira da ética. Ou seja, o PT acabou, a partir de práticas escusas, recebendo esse carimbo da corrupção com maior intensidade. Isso é algo que desgasta bastante. O governo fica sendo muito rejeitado, mas as respostas necessárias para superar essa política é que não estão claras. É um governo fraco, encurralado e que deveria adotar medidas que mobilizem a população por mudanças reais, por ganhos reais, por distribuição de renda, por recuperação de direitos, e não pra se colocar como refém do mercado financeiro.

Jair Bolsonaro
O presidente não pode ser do partido, ele tem que ser presidente do Estado. Na ditadura o que é forte? É o partido. E, no caso aqui, quem é a força, o apoio do PT? É o MST. Eu vejo que a entrega desta medalha aí em Minas, do governador para o Stédile, é uma demonstração de que o partido está forte, e a força é do general Stédile. A tropa do Stédile não são apenas os desocupados do MST: agrega haitianos, cubanos, angolanos e já tem iranianos também nessa grande reunião da escória do mundo. O PT está dando um sinal de que, em 2018, caso seja aprovada a minha emenda que garante o voto impresso ao lado da urna eletrônica, vai perder as eleições e não vai sair do poder sem culpar alguém pelo seu insucesso, como se fosse um ato antidemocrático e podendo voltar às guerrilhas dos anos 1966, que duraram até 1973 no Brasil. Onde o PT, por sua vez, dizia estar lutando pela democracia. Que nada, estavam lutando pela ditadura do proletariado.

Manifestações nas ruas

Jair Bolsonaro
São protestos justos e têm motivos mais do que claros, inclusive com muito mais consistência do que aquele contra o Collor, em 1992. Por exemplo, quando a Petrobras estava sendo assaltada, todo o projeto do PT estava sendo aprovado aqui na Casa (na Câmara), então, isso vai dar base no (processo de) impeachment. Isso (o pagamento de propina a políticos) é um crime de responsabilidade: quando os atos da presidente atentam contra o livre exercício do Poder Legislativo.

Ivan Valente 
Há dois tipos de protestos: um mais dirigido, como foi em 12 de abril, com pauta de interesses dos trabalhadores. E há as que começaram em 15 de março, que estão mais centradas numa rejeição à Presidência da República, mas não têm bandeiras claras. Na sua maioria, manifestam certo conservadorismo. Não há uma bandeira de punição de todos os corruptos. Parece que só tem corrupto do PT. E os do PSDB? Os presidentes da Câmara e do Senado? De modo geral, toda manifestação é importante.

Descriminalização do aborto

Jair Bolsonaro
Eu tenho uma proposta que, se aprovada, vai reduzir drasticamente o número de abortos no Brasil. Hoje em dia, uma mulher, para fazer a laqueadura, precisa de ter 24 anos ou ter filhos. Eu passo para 18 anos, não interessa se a mulher tem ou não filhos, se ela quer fazer a laqueadura ela faz. Outra coisa: a mulher que tem filho, para fazer a laqueadura, tem que esperar três meses para poder se submeter à cirurgia. Se ela já está ali na mesa (de parto), faz logo, já que é direito dela. Deixando claro que sou contra o aborto. No que está previsto por lei, não há encalhe aqui no Congresso. Em caso de risco de morte da mãe, no caso de uma gravidez tubária, no caso de estupro e a acefalia. Não se toca nesse assunto. Até nos assusta quem for contra, já que é um crime, por assim dizer, de consciência.

Ivan Valente
Vai ser difícil a pauta passar, porque o Brasil é um país católico, é religioso. Os evangélicos são radicalmente contra, os espíritas são contra. Mas é preciso verificar que, em vários países do mundo, o aborto já é legal há muito tempo. Inclusive na Itália, que é um país do Vaticano, né? O que se faz aí na prática é fabricar uma determinação que devia ser uma escolha da mulher, que é dona do seu corpo, ou do casal, que vai decidir da melhor maneira possível. Essa é a posição do nosso partido. Ninguém é a favor do aborto, o problema é como você enfrenta o fato: se é criminalizando inclusive em casos de estupro ou de risco de morte da mãe. Alguns são contra de qualquer jeito, uma irracionalidade, uma estupidez a toda prova. Tem outros que são religiosos, é uma visão do conceito de vida, enquanto nós vivemos num Estado laico.

Reforma Política

Jair Bolsonaro
Por que a esquerda, o PSOL, o PCdoB e o PT são contra as doações privadas? Eles detestam o capital. O capital só apoiou o Lula porque o PT estava no governo. E o PT agora quer uma desculpa, como se tivessem mergulhado o país na corrupção por causa do processo eleitoral. Eles abriram as portas da Petrobras e de outras estatais para que esse assalto fosse realizado. Sobre o voto distrital, Minas deve ter uns 900 municípios, eu não sei quantos deputados federais e estaduais são em Minas. Vai ter um distrito para deputado federal e um para estadual. Um samba do crioulo doido, ninguém vai saber neste distrito se vota para federal em um cara e para estadual em outro. E o distrito, para federal, transforma o deputado em um vereador de luxo, 513 deputados em vereadores de luxo. Pra quem quer nos dividir isso, é muito bom.

Ivan Valente
Essa movimentação de rua cometeu um erro: não adotou a palavra de ordem do fim do financiamento empresarial de campanha, a raiz de corrupção no nosso país. Em vez disso, o Eduardo Cunha saca uma emenda constitucional que vai na direção contrária da realidade: quer constitucionalizar o financiamento privado de campanha. Outra questão ruim: em vez de fortalecer os partidos, o que se quer é fortalecer as personalidades, caso da proposta do distritão. Isso caminha no sentido de enfraquecer os partidos. O estabelecimento de uma cláusula de barreira, já rejeitada no STF. Os partidos ideológicos e que não aceitam ser financiados pelo capital privado terão dificuldades. O caminho da reforma política no Congresso é muito perigoso, porque não aceitam a interferência da sociedade civil. Não atende ao que mudaria a rejeição do povo à política como atividade que deveria ser nobre.

Homofobia e união homoafetiva

Jair Bolsonaro
Cada um pode ser feliz com quem bem entender, eu não tenho nada a ver com isso. O que nós somos contra é ao casamento. Se você quiser falar em casamento, tem que mudar o dispositivo da Constituição. A Constituição fala da união entre homem e mulher, no artigo 226, que garante a proteção do Estado para a união entre o homem e mulher. Pelo que eu sei, o homem tem um apêndice ali, e a mulher não tem. Então, é desta forma: se alguém quiser legalizar o casamento civil (gay), tem que apresentar uma proposta na Constituição para alterar o artigo e vai pro voto. Democracia não é isso? A lei não é para proteger a minoria, é para proteger a maioria. Se for pra proteger a minoria, quem tinha menos votos em Minas é que ia ser deputado federal.

Ivan Valente
Uma Câmara em que o chefe do Legislativo é capaz de criar um projeto sarcasticamente, de forma inusitada, que cria um dia do orgulho hétero, não levando em conta uma realidade de exclusão do homossexual, já é um determinante do tipo de pauta que o Congresso quer votar: na contramão da luta contra o preconceito. Aqui (na Câmara), se cultiva o machismo, a homofobia e o racismo. Isso está na cabeça de centenas de parlamentares que são eleitos com a cabeça superconservadora, que não vê como criar uma sociedade mais justa, desarmada, igualitária, menos violenta, senão pela saída do aumento da violência, da discriminação, e assim por diante. Isso reflete o pensamento conservador da sociedade. Certamente, nós (do PSOL) fazemos parte do grupo de resistência.

Redução da maioridade penal

Jair Bolsonaro
A proposta mais antiga (sobre a redução da maioridade penal) de um deputado com mandato é a minha, que é a PEC 301 de 1996. Já tem 20 anos que estou batendo nessa mesma tecla. Nós aprovamos na Câmara, não tenho a menor duvida disso, eu não sei no Senado. Não é de agora que a sociedade é castigada por crimes praticados por menores: menor de idade, menor bandido tem que meter na cadeia. Mesmo que você pergunte se a cadeia está cheia. Eu prefiro essa canalhada, mesmo menor de idade, em pé na cadeia, do que nós, cidadãos de bem, deitados no cemitério. O menor sabe o quanto está fazendo de coisas erradas, e ele não pratica furto, ele quer praticar roubo e, quiçá, latrocínio, porque sabe que a punição é a mesma. Se ele mata o cidadão na rua, é preso rindo. Ele só respeita o que ele teme, então, sabendo que vai ter uma cana (sic) pra ele na cadeia... Dizem que é muito ruim, mas parece que não é, porque o cara sai da cadeia e rapidinho volta pra lá.

Ivan Valente
Os defensores dessa proposta trabalham muito com a insegurança da população, mas eles não têm uma resposta para a violência. Nós devemos enfrentar uma política desse tipo com mais educação, mais saúde, mais empregos, oportunidades, cultura e lazer. Eles querem colocar mais gente na cadeia. Com isso, eles vão transformar os menores em pós-graduandos em crime. No sistema penitenciário brasileiro, o sujeito entra um amador e sai um profissional. Segundo lugar: precisamos investigar as causas da violência. As pessoas acham que os menores são os maiores praticantes de crimes hediondos, mas não chegam a 1% os crimes hediondos praticados por menores. E não é verdade também que não há punição para os menores: a partir dos 12 anos, eles têm várias escalas de punição, desde advertência até privação de liberdade. Na nossa opinião (do PSOL), a redução da maioridade penal não resolve os problemas, pelo contrário, ela exacerba a violência. Eu diria mais, há muito oportunismo político nesse debate.

Legalização da maconha

Jair Bolsonaro
A legalização não pode ser. Não é porque você não dá conta de uma coisa que você vai desistir. Ou vamos legalizar a pedofilia e o latrocínio, porque não vai acabar nunca. Sou contra a liberação porque, se você liberar, a maconha que já existe na escola, (ela) vai pra dentro da sala de aula, vai virar bagunça isso aí. Fala-se muito nas leis do trânsito, dos reflexos no trânsito com o cara alcoolizado, mas o tempo de reação de um elemento que é viciado em maconha também aumenta em relação a quem não é viciado. Isso pode ser o estopim de um acidente grave de trânsito. A pessoa fica mais sensível, mais depressiva.

Ivan Valente
Nós (PSOL) somos pela descriminalização da maconha, nós somos pelo combate ao tráfico de drogas, mas não pela criminalização do usuário. A Lei Antidrogas que foi aprovada aqui (no Congresso) foi um desastre, na contramão de todos os países que estão fazendo o bom combate às drogas. Aqui é o sistema americano, que, na prática, é de repressão total às drogas, quando é lá que se produzem os elementos do refino da cocaína. É uma irracionalidade, tanto que você vê, mesmo nos partidos conservadores na questão econômica, figuras públicas que pensam com posição bem mais liberal, caso do ex-presidente Fernando Henrique Cadoso.

Revogação do Estatuto do Desarmamento

Jair Bolsonaro
Tem que revogar, picar, tacar fogo e jogar na latrina (o Estatuto do Desarmamento). Hoje em dia, só o cidadão de bem não tem arma de fogo. Qualquer vagabundo está muito bem armado, e ele não está preocupado com a legislação penal. O traficante lá já foi fuzilado uma hora desta (refere-se ao brasileiro Rodrigo Gularte, fuzilado pelo governo da Indonésia no dia da entrevista, 28 de abril). Lá, o cara pensa 200 vezes antes de fazer besteira. Aqui, não.

Ivan Valente
A posição nossa é absolutamente contrária (à revogação do Estatuto). É o mesmo da bancada da bala, que está pela redução da maioridade penal: é a bancada ruralista que quer se armar. Eles formam um conjunto de pessoas que acham que você combate a violência produzindo mais violência. Você armando a população, prepara a população pra uma guerra. Eles querem 900 balas por arma. Quem quer 900 balas por arma é quem quer guerra, não é isso?

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