domingo, 15 de março de 2015

"Vim de graça", gritam manifestantes no Rio

Ato pacífico na capital fluminense reuniu 15 mil pessoas, na avaliação da PM, e 120 mil, segundo organizadores

HUDSON CORRÊA E RAPHAEL GOMIDE
15/03/2015 14h11 - Atualizado em 15/03/2015 16h47



Pela manhã, no horário marcado para a concentração – às 9h30 no Posto 5, na praia de Copacabana –, parecia que a manifestação contra o governo Dilma Rousseff reuniria poucas pessoas no Rio. Naquele momento, pouco mais de 300 pessoas, a maioria vestindo camisetas amarelas, se reunia na pista da orla carioca. O movimento ganhou corpo rapidamente e por volta das 11h, quando começou a caminhada rumo ao Leme, distante cerca de 4 quilômetros, a Polícia Militar estimava em 15 mil o número de participantes. Depois, a PM informou que o número não seria atualizado. Na avaliação de manifestantes, o ato reuniu 120 mil pessoas.
 
  •  
Manifestação contra o governo Dilma em Copacabana, no Rio de Janeiro (Foto: Rudy Trindade/Frame)
“Eu vim de graça”, gritavam os manifestantes ao longo da caminhada, em referência às informações de que centrais sindicais tinham pago a pessoas para participar dos atos pró-governo de sexta-feira (13). Naquele dia, ÉPOCA conversou com um grupo de moradores de Campos, no norte do Estado do Rio de Janeiro, que afirmou ter recebido R$ 80, mais alimentação e transporte, para participar de um ato na Cinelândia, centro da cidade. No caminho, grupos paravam para aplaudir os policiais militares que acompanhavam o ato, situação bastante diferente do que se viu na cidade durante as manifestações de 2013, quando a corporação foi acusada de abuso de força no policiamento. De acordo com o comando da PM, 850 deles trabalharam na segurança.
 
 
 
 
 
 
Ao longo do caminho, centenas de cariocas foram se juntando ao ato. As motivações eram variadas. Havia quem pedisse o impeachment da presidente, outros, com faixas, defendiam a prisão de Dilma e de seu antecessor, o ex-presidente Lula. Grupos levavam cartazes favoráveis ao trabalho do Ministério Público, da Polícia Federal e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e ao afastamento dos presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha, ambos do PMDB.  Poucos pregavam a volta dos militares ao poder. Não havia bandeiras de partidos políticos.
>> Fotos: os manifestantes pelo Brasil

Um dos defensores da volta do regime militar era o motorista de van e ex-militar paraquedista Marcelo Couto. Ele chegou à praia de Copacabana a bordo de um jipe militar, tocando hinos militares. Vestia calças camufladas, boina vermelha de paraquedista e camiseta de uma força de elite do Exército. Couto serviu na Brigada Paraquedista de 1997 a 2001. "Sou totalmente a favor do governo militar, sério, com princípios e que cumpra sua missão. Vivemos em um país sem regras", disse ele, 46 anos, morador de Belford Roxo (Baixada Fluminense), que foi acompanhado de sua filha, agente penitenciária.
Marcelo Couto, ex-paraquedista do Exército, defende a intervenção militar (Foto: Raphael Gomide/ÉPOCA)

Havia até aqueles mais exaltados, que chegavam a sugerir que a presidente Dilma seguisse os passos de Getúlio Vargas, que se suicidou em meio a uma crise política em 1954. “Se ela pudesse renunciar ou então dar um tiro no peito para entrar na história, como Getúlio Vargas...”, disse Sonia Regina Costa, moradora da Lagoa, zona sul do Rio. “Estou exausta dessa roubalheira, das mentiras. A corrupção virou instrumento de trabalho e ninguém se impressiona mais. Estou por aqui com o PT (fazendo um sinal com a mão no pescoço). Tenho 64 anos e é a primeira vez que vou a uma manifestação”, disse ela, acompanhada pelo marido e pelo filho. 
Personagens que ganharam fama na cidade a partir das manifestações de 2013 participaram do ato. O protético Eron Morais de Melo, de 32 anos, era um deles. O Batman de passeata, como ficou conhecido, carregava um cartaz onde se lia "Fora Dilma" e, nos ombros, uma bandeira do Brasil. Um grupo se formou ao seu redor para gritar: “fora PT e leva a Dilma com você”.
Batman na manifestação no Rio de Janeiro (Foto: Hudson Corrêa/ÉPOCA)
O repertório de músicas e palavras de ordem foi variado. O Hino Nacional foi cantado algumas vezes pela multidão. Em outros momentos, os manifestantes entoaram trechos do samba “Se gritar pega ladrão”, de Bezerra da Silva, e “Como nossos pais”, de Belchior.  Uma versão da música "Para não dizer que não falei de flores", de Geraldo Vandré - hino de protesto durante a ditadura - era constantemente tocada nos carros de som, tendo como refrão: "Dilma, vai embora que o Brasil não quer você! E leve o Lula junto e os vagabundos do PT!"
A alta da inflação, um dos motivos da queda de popularidade da presidente Dilma, pode ser sentida pelos manifestantes. No início do ato, uma garrafa de Coca-Cola de 500 ml era vendida a R$ 3. Quase ao fim, já custava R$ 5 –e se o comprador parecesse estrangeiro, custava ainda mais. Bares e lanchonetes de Copacabana ficaram lotados, lembrando as comemorações do réveillon e da Copa do Mundo. Não havia tapumes de madeira fechando estabelecimentos comerciais, como se via em 2013.

A manifestação foi pacífica. Um único entrevero foi registrado: dizendo-se filiado ao PSOL e funcionário da Secretaria Estadual de Fazenda, Jorge Moura, 56, passeava com seu cachorro quando começou a discutir com manifestantes. Foi atingido por copos de água e cerveja. Sob gritos de “vai para Cuba”, manifestantes tentaram enrolá-lo em uma bandeira do Brasil. Policiais militares intervieram e escoltaram Moura para longe do ato.
 
Do alto, o que se via era uma multidão vestindo amarelo. Das ruas transversais à avenida Atlântica, grupos caminhavam para engrossar o ato. Vinham de várias partes da cidade. Dos ônibus e estações de metrô desciam centenas de pessoas. O comerciante e enfermeiro Jadir Trajano, 48, veio de ainda mais longe, Angra dos Reis, para defender a intervenção militar. "O impeachment vai ser difícil. Não adianta só tirar a Dilma, não saem os outros corruptos. A vantagem seria fazer uma limpa da corrupção porque o país descambou e está liberal demais, o PT liberou orgia, homossexualidade acima da igreja, kit gay. Tudo isso seria abolido", disse ele.
Moradora do Leblon, a advogada Márcia Rocha, 60, ex-funcionária do gabinete da Prefeitura do Rio, já votou no ex-presidente Lula, por acreditar que "fosse mudar o país e consertar os erros dos antecessores". Márcia não defende o impeachment por não acreditar haver elementos, mas quis ir à rua protestar. "O governo está viciado em roubar, é envelope de dinheiro, conta fora do país. Estou indignada com uma realidade que ninguém pode contestar. A Bolsa Família era uma boa iniciativa mas usaram como forma de comprar voto e sentar no trono." Para ela, porém, o desvio faz parte da cultura brasileira. Ela lembra que quando era funcionária pública, diariamente enchiam um copo com lápis. "No fim do dia restavam poucos. Roubavam tudo."
Enquanto o presidente do PTdoB-RJ, Vinícius Cordeiro, discursava contra Dilma no carro de som, defendendo as condições de um impeachment em julgamento político - "não criminal" - a relações-públicas Cláudia Bueno perguntava irritada: "Ele não é político? O que está fazendo aqui?" Ela disse que perdeu o pai, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, federal, "por causa do SUS". "Quando ele precisou não teve!", afirmou ela, que é a favor da intervenção militar porque "impeachment é trocar seis por meia-dúzia".
A engenheira Ivete Queiroz, de Ipanema, pegou uma panela e uma colher de pau emprestadas da vizinha - "não cozinho! Vão falar que sou coxinha" -, acordou cedo, apesar de detestar, para protestar. "Sempre houve corrupção, claro, mas agora foi institucionalizada. Dilma é falsa e não tem nem a humildade de reconhecer que errou, seria mais honesto. Mas acho que seria preciso provas mais concretas para um eventual impeachment. Muito menos intervenção militar, não faz sentido. Se não fosse a democracia não estaríamos aqui hoje."
Cerca de 90 representantes da Maçonaria, alguns de terno, outros de camisetas em repúdio à corrupção, também foram a Copacabana. "Não acho que impeachment seja solução. Mas é importante estar na rua pelas mudanças, que as soluções virão", disse José Geraldo Almeida, 51 anos, "mestre ilustrado" da entidade. "A Maçonaria luta pela justiça e a perfeição. Ninguém quer corrupção. Todos os grandes eventos do país tiveram a participação nossa, da independência à abolição da escravidão ", afirmou o consultor de sistemas Hélio Feferkorn, 62.

A manifestação começou a se dispersar por volta das 13h. Bares e restaurantes ficaram lotados.

Nenhum comentário: