terça-feira, 10 de março de 2015

Protesto expõe fracasso de Dilma na economia

Clima de revolta vai além das denúncias de corrupção e mostra parte dos brasileiros insatisfeitos com o 'pacote de maldades', inflação alta, reajustes e risco de demissões

 postado em 10/03/2015 06:00 / atualizado em 10/03/2015 07:12
 Deco Bancillon /Correio Braziliense , Rodolfo Costa /Correio Braziliense
Brasília – Panelaço, xingamentos e vais nas janelas, buzinaço e palavras de ordem na internet. Os protestos que tomaram o país na noite de domingo, durante pronunciamento da presidente Dilma Rousseff em cadeia de rádio e televisão, sinalizam o total descontentamento de parcela crescente do eleitorado com a situação econômica e política do país. Se, em parte, os gritos contra a petista representam a revolta com as denúncias de corrupção no âmbito da operação Lava-Jato, outro foco de insatisfação, talvez ainda mais intenso que o primeiro, é o comportamento errático da economia.

Desde que recebeu das urnas a comprovação para um segundo mandato, Dilma adotou uma série de medidas que representavam justamente o oposto do que defendeu em campanha. Não foram poucas as “maldades” postas em prática pelo novo governo. Desde alta de juros, tarifaços na conta de luz e na gasolina, ao arrocho maior de impostos. O resultado foi uma pressão ainda maior sobre a renda das famílias, já assolada por uma inflação galopante que desde 2009 não recua ao centro da meta, de 4,5% ao ano.

Em fevereiro, a situação chegou próximo ao descontrole. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) subiu 1,22%, a maior alta para o mês desde 2003. Acumulado em 12 meses, a inflação chegou a 7,7% – o segundo mês consecutivo de estouro do teto da meta, de 6,5% ao ano. Mas, por mais que os números passados impressionem, a situação dos próximos meses tende a ser ainda mais dura para a população.

“Em março vai ficar ainda mais pesado, principalmente por conta dos reajustes da conta de luz, que serão quase todos sentidos no bolso apenas agora”, frisou o economista-chefe da SulAmérica Investimentos, Newton Rosa. “Apenas a concessionária de eletricidade de São Paulo, a Eletropaulo, anunciou reajuste de 37,4% nas tarifas dos consumidores”, disse. Nas contas de Rosa, o IPCA deverá subir 1,41% apenas em março, praticamente um terço da meta para a inflação em todo o ano. Não por outro motivo, ele calcula que o custo de vida chegará a 8,22%, no acumulado em 12 meses – o maior patamar desde dezembro de 2003.

Empregos Para piorar, mesmo o mercado de trabalho está a perigo. Em janeiro, nada menos que 81,8 mil empregos foram eliminados nas empresas, desempenho que, para os economistas Fabio Silveira e Amabile Ferrazoli, da GO Associados, reflete “a dinâmica de estagnação da economia brasileira”. No mesmo período de 2014, foram gerados 29,6 mil postos de trabalho, já descontando as demissões no mês. Mas, se janeiro já trouxe números ruins para o emprego, os próximos meses tendem a ser ainda mais difíceis.

Diante da total paralisa dos projetos tocados por empresas que mantinham negócios com a Petrobras, proliferam-se demissões em massa nos canteiros de obras. Na indústria, que há quatro anos enfrenta o colapso da produção, o resultado das medidas de arrocho fiscal, como o fim do desconto do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), foi ainda mais decepcionante. Boa parte das montadoras decidiu colocar parte dos trabalhadores em férias coletivas. Quer dizer que esses metalúrgicos ficarão em casa durante um período pré-determinado e receberão apenas uma parcela dos salários. Mas quando voltarem ao trabalho, se a situação não tiver melhorado, o desfecho tende a ser a demissão.

Não são boas as chances de de essas pessoas de manterem o emprego. Os analistas de mercado financeiro nunca estiveram tão pessimistas com o comportamento da economia. Prova disso é que há 10 semanas consecutivas as expectativas para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) só caem. Agora, as estimativas das instituições consultadas pelo Banco Central (BC) na pesquisa Focus é de que a queda da atividade chegue a 0,66% em 2015 – o pior desempenho em 25 anos. Já a indústria terá um resultado ainda pior: queda de 1,38%. Seria a comprovação de que as medidas adotadas pelo governo para salvar o setor produtivo surtiram justamente o efeito contrário: afundaram-no ainda mais.

Nova matriz Os analistas são unânimes: quando o assunto é o desempenho da economia, há razões de sobra para protestos contra a presidente Dilma. Nos últimos quatro anos, a petista insistiu numa política econômica diferente da adotada durante seis dos oito anos do governo Lula. Dilma e seus auxiliares vendiam a ideia de que um pouquinho a mais de inflação ajudaria o país a buscar um crescimento econômico mais forte.

A corrente de pensamento recebeu até nome pomposo: nova matriz econômica. Não faltaram críticas ao projeto, considerado fracassado. As novas medidas foram erguidas em basicamente dois pilares: o total abandono da disciplina fiscal e o foco quase que exclusivo no consumo interno, sem a devida contrapartida do incentivo ao investimento. “Não tinha como dar certo”, disparou o ex-economista-chefe da Febraban Roberto Luis Troster. “Ao mesmo tempo em que se estimulou a demanda no Brasil, houve aumento da importação da China. Ou seja, aumentou o consumo de alguns e tirou o emprego de outros”, disse o economista.
Discurso não convence os trabalhadores 
Brasília – A reação ao pronunciamento da presidente Dilma Rousseff (PT) na noite do último domingo reflete a insatisfação generalizada de boa parte dos brasileiros com a situação econômica do país. Da perda do poder de compra – como consequência da disparada da inflação e dos juros – ao arrefecimento do mercado de trabalho, não faltam críticas à gestão da petista. O primeiro pronunciamento oficial de Dilma após à reeleição durou 15 minutos e não convenceu o vendedor Arnaldo dos Santos, 48 anos. “Na minha casa, se há algum problema nas finanças, o problema é meu, não do vizinho”, desabafou.

Medidas apresentadas pela nova equipe econômica, como a redução de benefícios trabalhistas e aumento de impostos, podem surtir algum efeito a médio prazo, mas não deveriam ser encaradas como o melhor remédio, opinou Santos. Próximo a um shopping palco de um dos panelaços mais exaltados no Distrito Federal, o ambulante Caetano Brito de Oliveira, 48, tenta ganhar a vida vendendo cofrinhos. A procura pelo produto, no entanto, não para de cair. “Tem sobrado pouco dinheiro para as pessoas pouparem. Há cinco anos, vendia até 15 por dia. Hoje, vendo dois, no máximo”, lamentou.

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