Samuel Costa/Hoje em Dia

Uma chuva fina, insistente, caía no fim da tarde da última quarta-feira, no bairro Coração Eucarístico. Vestido a caráter, com traje militar, João Batista Moreira saiu do prédio onde mora para pegar uma carona rumo ao museu dos Expedicionários, no Floresta. Antes de entrar no carro, uma mão foi estendida ao senhor de 92 anos, que respondeu alto e bom som. “Tá doido? Entro sozinho. Fui ao médico ontem levar uma bateria de exames. Estou cem por cento firme, forte e bonito”.
 
Sem meias palavras e com uma dose caprichada de bom humor. Esse é o cabo Moreira, pracinha da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que, daqui a 23 dias, voltará ao palco do maior conflito armado da história, ocorrido há exatos 70 anos.
 
Ele integra um seleto grupo de seis ex-combatentes brasileiros que serão homenageados durante expedição à Itália, em abril. Acompanhado de aproximadamente 300 pessoas – entre familiares, amigos e colecionadores –, o sexteto formará um comboio para relembrar a história dos 25 mil militares da FEB que foram ao país da bota combater as tropas alemãs.
 
Retorno
 
A bordo de viaturas da época, eles passarão pelas principais cidades italianas envolvidas na batalha, como Montese, Monte Castello, Pistoia e Porretta Terme. Ao todo, serão mais de 600 quilômetros percorridos entre 21 e 28 de abril.
 
Será a primeira vez, desde o fim do combate, em 1945, que o cabo Moreira retornará ao local. “Se me perguntar se estou com frio na barriga, vou dizer que não. Já falei, sou muito forte. Acho importante a iniciativa, e estou contente em participar. Será um momento único para relembrar essa história tão marcante para a vida de milhares de pessoas”, disse João Batista.
 
Além da boa forma física, a memória também não lhe falta. Moreira sabe de cor e salteado datas, números e casos marcantes vividos no território europeu. Mineiro de Contagem, na região metropolitana, ele foi convocado aos 22 anos, quando já morava em Belo Horizonte e trabalhava em um armazém.
 
Na época, o “chamado” foi feito em ondas curtas. “Éramos oito irmãos. Minha mãe ligava o rádio todos os dias para ouvir a lista. Quando saiu meu nome, ela veio correndo, preocupada, falar comigo. Fiquei tranquilo. Começava ali minha missão”. De BH, partiu para São João del-Rei para iniciar o treinamento, onde fez parte do 11° Regimento de Infantaria (RI11).
 
Em 20 de setembro 1944, seguiu rumo à Itália com outros mil militares. Cabo Moreira ficava responsável pelo patrulhamento e era o homem de confiança da infantaria na hora de pilotar as viaturas. Recebeu até medalha de bravura.
 
Certa vez, após um equívoco, parte da tropa que seguia na frente dos veículos foi atingida pelo fogo amigo da artilharia, que vinha logo atrás. João Batista foi chamado para resolver a situação. “Meu comandante disse que eu iria morrer, mas salvaria a companhia”. Em meio ao tiroteio, ele correu em direção aos companheiros para alertá-los, se jogando em buracos abertos por bombas para não ser ferido.
 
Reverenciar
 
A expedição brasileira na Itália é organizada pela Associação Brasileira de Preservadores de Viaturas Militares (ABPVM), em conjunto com o Grupo Histórico FEB. Ex-companheiros de outras nacionalidades, integrantes das tropas aliadas, também participarão do encontro. “Vamos percorrer os caminhos trilhados pela Força Expedicionária. É uma forma de reverenciar a participação nacional em um evento internacional de suma importância”, afirma o presidente da ABPVM, Marcos Renault.