segunda-feira, 23 de março de 2015

Eleitores de Dilma reconhecem melhoria de vida, mas se dizem decepcionados com a presidente

Mudança de comportamento foi verificada ainda em pesquisa Datafolha da semana passada

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Pipoqueira, Taís Almeida mora e trabalha em Belford Roxo, cidade do estado do Rio que deu a melhor votação a Dilma - Adriana Lorete
RIO - — Sinceridade? Eu achava que a vida ia sempre melhorar, mas está, como dizem, tudo pela hora da morte.
Pipoqueira em Belford Roxo, cidade do Estado do Rio que deu a maior votação, 74, 82%, à então candidata Dilma Rousseff na eleição passada, Taís Almeida, de 21 anos, votou na petista, “assim como minha tia, meu marido, minha irmã, todos lá em casa”, e hoje, pouco mais de três meses depois do início do segundo mandato, está “insatisfeita e assustada”.
— Subiu tudo. O milho, a carne, a luz. No mercado, com R$ 100, a pessoa sai com duas, três sacolas — diz Taís, que estudou até o 1º ano do ensino médio e sonha com um emprego de carteira assinada: — Eu sei que a Dilma ajudou muitas pessoas com o Minha Casa, com o Bolsa Família, que minha irmã até recebe, mas não votaria nela de novo. No Lula, sim, o governo dele foi ótimo, né? A gente comprou móveis, som, celular, televisão. Era difícil ter máquina de lavar, e hoje minha tia tem um tanquinho e duas máquinas.
Vendedor de doces no calçadão de Belford Roxo, Alberto da Silva, de 61 anos, ajudou a eleger Dilma, mas diz que seria “estúpido” não reconhecer que os preços aumentaram e que a presidente “errou na parte administrativa” e ao falar, durante a campanha, que não ia ter inflação:
— O país se desenvolveu nos últimos anos, mas era melhor Dilma ter sido sincera. Ela não podia prometer o que não ia cumprir. Do jeito que está, dá desânimo, o povo fica angustiado e já é difícil ver tanta desonestidade, tanto roubo... Se eu a encontrasse, falaria para assumir os erros e consertar as coisas.
Durante a semana passada, após as manifestações de 15 de março, O GLOBO foi a locais que deram vitória à Dilma na eleição e conversou com seus eleitores e com pessoas beneficiadas pelos programas sociais dos governos petistas e que viram a vida melhorar ao longo da última década. Nas ruas, constatou que a relação está em crise.
A insatisfação com o governo, que começou entre aqueles que já a criticavam no 1º mandato, alcança agora quem a elegeu. Mesmo reconhecendo que prosperaram com os programas de transferência de renda, as baixas taxas de desemprego, a ampliação do crédito e a inflação controlada, os eleitores se dizem decepcionadas. A mudança de comportamento foi verificada ainda em pesquisa Datafolha da semana passada: 62% dos brasileiros com 16 anos ou mais avaliaram a gestão de Dilma como ruim ou péssima.
— A ruína de muitos governos é achar que o eleitorado é cativo, quando ele tem que ser conquistado muito mais pelo futuro do que pelo passado. Se o governo não tem clareza de onde está fincado e não protege esses eleitores de eventuais cortes, coloca-se num cenário perigoso. No caso da Dilma, junta-se a isso a base parlamentar fraca, a inflação e as denúncias de corrupção — analisa a cientista política Marly da Silva Motta.
Para ela, as falhas no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que a própria Dilma reconheceu em entrevista coletiva, são “fatais para a base de apoio político, pois esses erros atingem o eleitorado da presidente”.
É o caso de Carla Souza, de 34 anos, que na semana passada se tornou a primeira pessoa de sua família a ir para a faculdade. Sócia do marido em um salão, na Zona Norte do Rio, Carla voltou a estudar de olho na ampliação do negócio e “na chance de dar uma vida melhor e de ser exemplo para os três filhos”.
— O que nunca imaginei era que teria problema com o Fies. Iniciei as aulas na incerteza. A mensalidade é R$ 698. A renda da gente é de R$ 4 mil, e o financiamento da casa custa R$ 2 mil. É inviável pagar faculdade.
Carla, assim como o marido, votou em Dilma, reconhece que pôde financiar a casa própria graças ao crescimento do país nos últimos anos, mas diz que este segundo mandato é “uma decepção”:
— A luz, que custava R$ 170, passou para R$ 400. A gasolina subiu, a comida está mais cara. Eu não votaria de novo na Dilma, ela falou que não mexeria com os trabalhadores, que a inflação não ia subir, e aconteceu o contrário.
As promessas de campanha são também motivo de decepção para a estudante Yolanda Vieira, de 24 anos, que cursa jornalismo em uma universidade particular em Belo Horizonte. Inscrita no Fies há dois anos, ela diz que sua “maior indignação” é saber que o slogan do governo é Pátria Educadora:
— Eu renovei o Fies, mas muita gente da minha turma não conseguiu. Tem gente chorando em sala de aula, gente que já largou o curso para não ter dívida. Isso desanima. E eu sei que a vida melhorou em muitos aspectos, vi a popularização do carro, do telefone, vi mudança dentro da minha casa e da casa de gente que conheço. Mas Dilma devia ter deixado mais clara a situação. As pessoas tiveram ganhos que estão sendo retirados.
ESPECIALISTA: ELEITORES SE AFASTARAM
Professor da PUC-Rio e cientista político, Ricardo Ismael acredita que a classe média que ascendeu no governo Lula e no primeiro mandato de Dilma se ressente ao perceber que a renda vem diminuindo e que o Brasil da campanha é diferente do que está em recessão, com alta taxa de juros e corte nos investimentos. Para ele, o Datafolha acabou com a dúvida se o desgaste chegaria ao eleitorado que sempre a apoiou e mostrou que “a base social da presidente já foi desfeita”:
— Os eleitores se afastaram. O corte no Minha Casa Melhor (programa que permitia que beneficiados pelo Minha Casa Minha Vida comprassem a prazo móveis e eletrodomésticos), a dificuldade de se inscrever no Fies, a alta na conta de luz, isso causa profunda insatisfação e pode levar essas pessoas às ruas. Não se pode esquecer que essas famílias não têm muito de onde cortar. E quem melhorou de vida não quer retroceder.
— Minha preocupação agora é com as contas — diz Márcia Aparecida de Souza, de 67 anos, que em abril de 2014 foi beneficiada com um apartamento em um dos conjuntos do Minha Casa Minha Vida em São Gonçalo. Depois de passar boa parte da vida morando em uma comunidade, a mudança, com o marido, para o apartamento de dois quartos, sala, cozinha e banheiro foi a realização de um sonho e a chance de ter um teto fora de área de risco e longe da violência:
— Gosto muito da casa, mas o condomínio é caro, R$ 154. Meu marido perdeu o emprego de porteiro este ano — conta Márcia, que sustenta a casa com o salário mínimo que recebe por ser deficiente: — Mas já não estamos pagando o telefone e fico triste de não estar comprando a mesma comida de antes. Votei na Dilma, mas está difícil.
Mãe de três filhos, Lucilene Oliveira, de 34 anos, mora no mesmo condomínio de Márcia. Beneficiária do Bolsa Família e autônoma, ela acredita que o governo está tentando organizar as contas tirando de quem não tem.
— A luz foi de R$ 30 para quase R$ 100, a couve pulou de R$ 0,49 para R$ 1,49, estou tentando o Fies e não consigo. Minha mãe não sabe nem ler, eu quero ir para a faculdade e me sinto passando humilhação. Claro que o Minha Casa foi bom para minha família, mas não tem escola e posto de saúde no entorno... A sensação com esse governo é de desordem.


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