sábado, 21 de março de 2015

Afastamento por depressão atinge 1/3 dos professores

EDUCAÇÃO

Segundo Estado, 2.943 educadores da rede em BH foram afastados em 2014; 16,5 % mais que em 2013


A-G
Cenário.Professores reclamam de violência externa que se reproduz na escola, indisciplina e falta de apoio
PUBLICADO EM 21/03/15 - 03h00
“Lecionar é minha paixão, mas hoje eu não consigo nem entrar na sala de aula”. A fala do professor Saulo*, 47, afastado do trabalho por depressão, alerta para um problema que afeta 1/3 dos professores da rede estadual em Belo Horizonte e cresce a cada ano. Em 2013, 2.525 educadores estavam licenciados. Um ano depois, eram 2.943, um aumento de 16,5%. O panorama se repete no Estado, com o afastamento de 12.209 docentes no passado, 11,4% a mais que em 2013. A violência a que estão expostos e a falta de estrutura para lecionar estão entre os principais motivadores.

Além dos números já significativos, os dados são a ponta de um cenário ainda mais preocupante. Até chegar ao ápice do afastamento, os educadores têm um histórico de estresse, tratamentos psiquiátricos e medicação, que geralmente se prolonga por anos. É o caso do professor de filosofia e religião J.P., que antes de abandonar as salas de aulas lecionou por 23 anos. Hoje, ele não tem planos de voltar ao trabalho.
“Eu fazia tratamento desde 2004, e, em 2010, minha situação começou a piorar. Em junho de 2012 eu não aguentei. Mudar de escola já não adiantava mais. Trabalhei em dez, e em todas as dificuldades e as ameaças de alunos violentos se repetiam”.
A violência externa que se reproduz na escola, a indisciplina na sala de aula, a falta de estrutura e apoio pedagógico e as cobranças são entraves citados com frequência por professores, em especial pelos da rede pública. O professor Saulo* conta que em um ponto de sua carreira não conseguia sequer lidar com atos mais simples de indisciplina. “Se eu estourasse na sala de aula seria muito ruim para mim e para os meninos”.
Há cinco anos, ele toma medicamento controlado e, nos últimos dois, vem intercalando entre licenças e readaptação escolar, ajudando na coordenação, sem dar aulas. “Nesses meus 17 anos de carreira, já fui até ameaçado por aluno armado. Eu só não larguei a profissão ainda porque acredito que um dia as coisas podem mudar”. O professor ainda lamenta o fato de a comunidade escolar estar “de mãos atadas”, já que os alunos agressores, segundo ele uma minoria, sabem que não serão punidos.
“Convivemos com meninos com familiares criminosos, que são aviões do tráfico. Eles começam com 10, 11 anos. Já fui em enterro de um aluno que levou 12 tiros na cara e foi velado de caixão fechado”, completou o professor.
J.P. diz que mesmo no caso de estudantes fora do crime, controlá-los e envolvê-los nas disciplinas é cada vez mais difícil. “Eu demorava quase meia hora para apaziguar a turma e conseguir dar 20 minutos de aula. Ai você não consegue dar o conteúdo todo. Imagina o que é ensinar filosofia ou religião a um aluno que não tem nem ideia do que é a matéria”.
* Nome fictício
Informações
Rede municipal.
 Os números desta reportagem são da Secretaria de Estado de Planejamento. No caso da rede municipal, a assessoria da secretaria informou que não fornece esse levantamento.
Saiba mais
Outros motivos
. Segundo o Estado, os três principais motivos de afastamento de professores para tratamento de saúde são transtornos mentais e comportamentais, doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (LER) e respiratórias.

Grupo. O Estado informou ainda que vai criar um grupo de trabalho para discutir a promoção da cultura da paz e o exercício da tolerância.
Substituição é prejudicial à rede

Quando o professor é afastado, o Estado informou que a vaga é preenchida por servidores da escola ou abre-se edital para um substituto temporário. Na rede municipal, conforme a prefeitura, ocorre a extensão de jornada de algum docente do quadro.

Segundo o diretor do sindicato de professores da rede municipal (Sindrede-BH) Wanderson Rocha, sempre há prejuízo para escola e alunos. “Há um atraso até encontrar substituto e, muitas vezes, é o coordenador pedagógico que entra no lugar”.

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