quinta-feira, 19 de março de 2015

58% dos agentes penitenciários mineiros são contratados

EM MEIO A MOTINS

Profissionais que atuam nos presídios sem concurso público têm formação inferior aos efetivos; para especialistas, diferença no preparo prejudica atuação nas penitenciárias


agentes penitenciários
Desde o fim do ano passado aprovados no concurso de agentes cobram um cronograma para nomeações
PUBLICADO EM 19/03/15 - 03h00
Em meio a um momento conturbado nas unidades prisionais de Minas Gerais, com seis conflitos registrados desde a última semana, o Estado tem que lidar com o risco de precarização do trabalho de agentes penitenciários, essenciais para agir em caso de crise e para manter a ordem nos presídios. Isso, porque 58,15% (9.910) dos 17.042 profissionais em atuação são terceirizados, e não passam pela mesma formação dos 7.132 concursados.
Para especialistas em segurança pública como sociólogo Robson Sávio Reis Souza e o advogado criminalista Adilson Rocha, por não terem estabilidade e passarem por menos etapas de formação, o excesso de contratados leva a uma precarização do setor e a uma ausência de identificação com a função, já que os contratos são temporários.
Esse fato gera também uma dúvida com relação ao artigo 37 da Constituição Federal. Ele prevê que para exercer cargo público, é necessário concurso. A ressalva em contrário é citada na lei para “atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

Em Minas, os agentes são contratados por três anos, com direito a prorrogação por mais três. E, segundo o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Minas Gerais (Sindasp), Adeilton Rocha, em maio vencem os contratos de 4 mil profissionais.
Segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), o governo anterior não incluiu no orçamento de 2015 os valores para finalizar o concurso para 3.534 agentes penitenciários e 820 socioeducativos, que teve início em 2013. Se houvesse essa efetivação, o número de efetivos passaria a ser de 14.999, contra 9.124 contratados. Atualmente, conforme a Seds, o governo busca formas de obter os recursos para dar continuidade ao processo.
Para um ex-agente terceirizado, que foi aprovado no último concurso da categoria, o processo de seleção de contratados é bem distinto. “Enviamos o currículo e você recebe uma nota. Se já fez curso de vigilante, por exemplo, a nota aumenta por ter autorização para manejar arma. Depois vem um exame psicológico e um curso de cinco dias”, lembra.
Ainda de acordo com ele, colegas que eram pedreiros e eletricistas começaram a trabalhar e receberam armas. "Vi caso de tiro acidental porque um deles não sabia como manusear o equipamento", lembra.
A Seds confirma a diferença nos processos, mas alega que quem é contratado não passa pelo estágio por ser temporário. Já sobre o curso de tiros, a pasta alega que os contratados não fazem uso de arma de fogo. Apesar disso, segundo o presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Minas Gerais (SINDASP), Adeílton Rocha, desde 2004 os contratados usam armas graças à uma resolução da Advocacia Geral do Estado. 
Para especialistas, ressocialização está ameaçada
A superioridade numérica de agentes contratados frente aos efetivos é preocupante, segundo o presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), Adilson Rocha. “Assim como todas as forças policiais, os agentes deveriam ser 100% efetivos”, disse.
Para ele, mesmo a participação no curso de 45 dias, como é o caso dos concursados, não é suficiente para que o profissional esteja formado. “São necessários três meses de preparação e reciclagem a cada dois anos”.
Como o agente é empregado temporariamente, não cria identificação com a função, segundo coordenador do  Núcleo de Estudos sobre as Situações de Violência e Políticas Alternativas, da Unesp Araraquara em segurança pública da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara, José Santos Filho. “O Estado passa para terceiros a responsabilidade de devolver os detentos melhores para a sociedade – e não piores, como acontece”, disse. 
Para Robson Sávio, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o excesso de contratados gera problemas que, a princípio, não são tão evidentes, mas que poderão sair caro para o Estado no futuro. "Minas quadruplicou a estrutura do sistema prisional, principalmente no governo do Aécio Neves. Mas prefere trabalhar com terceirização e contratos, o que a princípio sai mais barato.O recurso é repassado e a rotatividade de funcionários gera um prejuízo. Não são só agentes que não são efetivos, mas também técnicos, como do Fica Vivo e de mediação de conflito", afirma. 
Problema não é exclusivo dos agentes
Apesar de 73% de todos os contratos da Seds serem de agentes penitenciários, o problema não é exclusividade da categoria. O TEMPO também foi procurado por aprovados como excedentes no concurso para Assistentes Executivos, Analistas Executivos e Médicos da secretaria.
"O edital do concurso é de 2013, mas ele está vigente e foi homologado no dia 4 de julho do ano passado. Foram oferecidas 1.390 vagas, mas elas não são suficientes para cobrir a demanda do sistema e preencher os contratos temporários", disse o homem, que preferiu não ser identificado.
Ainda conforme o Portal da Transparência, somente nos cargos de Analistas e Assistentes Executivos da existem 3170 cargos. Destes, 1500 são efetivos e 1670  são contratados, um total de 52,6%. "Existe um Plano Estadual de Defesa Social 2014/2015 que constitui metas e objetivos para a SEDS, entre eles está o compromisso de realização e utilização do concurso público como meio exclusivo de provimento de cargos efetivos, e ainda a substituição de 100% dos funcionários contratados por concursados", garante o denunciante.
Para os excedentes no concurso, a secretaria deveria convocá-los para substituir os contratados. "O Estado alega que está endividado, mas mantém a política de contratos na SEDS, o que é inconstitucional. Queremos transparência e um cronograma de nomeação dos aprovados no certame. Não só na nossa categoria, mas também para os agentes penitenciários", finalizou.
Relembre
Nos últimos dois dias, O TEMPO publicou reportagens sobre o grande número de motins no Estado desde 10 de março, a maioria por superlotação e insalubridade. Um dos conflitos ocorreu no Centro de Remanejamento de Presos (Ceresp) de Betim (dia 10). Outros foram em presídios de Divinópolis (dia 14) e de Vazante (dia 15), no Ceresp Gameleira (na capital, dia 16) e no presídio de Jaboticatubas (dia 16). Anteontem, carta divulgada por presos do Complexo Penitenciário Público-Privado de Neves denunciou a a precariedade no local.

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