segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Entrada de guerrilheiros na política da Colômbia deve ser diferente de Brasil e Uruguai, dizem FARC

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Para Marco León Calarcá, porta-voz do grupo, país deve passar por processo diferente do que levou Dilma e Mujica à presidência dos países vizinhos
Em 2014 foram celebrados dois anos de negociação entre as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e o governo colombiano. O acordo final, que encerrará o conflito de mais de 50 anos com a guerrilha no país, ainda não tem data definida, mas quando ocorrer, deverá ser de forma diferente ao processo realizado no Brasil ou no Uruguai, onde ex-guerrilheiros chegaram à presidência. Em entrevista a Opera Mundi, o porta-voz da insurgência, Marco León Calarcá, diz ainda que o grupo terá “garantias imediatas de participação da guerrilha na política”.
Captura de tela
[Calarcá durante viodeochamada com Opera Mundi]

São comuns as analogias entre a possível inserção das FARC na política com o processo que ocorreu em outros países latino-americanos, onde ex-guerrilheiros assumiram cargos importantes. Os exemplos mais emblemáticos são Uruguai e Brasil, onde o ex-Tupamaro José Pepe Mujica e a ex-militante da VAR-Palmares Dilma Rousseff, respectivamente, chegaram ao mais alto posto da política.
Calarcá nega, no entanto, que esse possa ser o caminho a ser percorrido pela guerrilha. De acordo com ele, nesses países o processo foi muito longo. “Pensamos em formas mais ágeis e mais dinâmicas de chegar ao poder”. Isso porque, explica, tanto no Uruguai, como no Brasil, “não houve a pactuação de um acordo que deliberasse sobre o tema”, tal como está sendo feito na mesa de negociações em Havana. De acordo com ele, “o acordo final dará garantias imediatas de participação de guerrilheiros e guerrilheiras na política”.
A continuidade dos diálogos de paz travados entre as FARC e o governo colombiano esteve ameaçada duas vezes em 2014. A primeira, diante da possibilidade de o presidente Juan Manuel Santos não ser reeleito no país – visto que a oposição colombiana liderada pelo ex-presidente e senador Álvaro Uribe é contra a negociação. A outra, diante da suspensão, feita unilateralmente pelo governo, do processo realizado em Havana, após a captura do general Ruben Darío Alzate em meados de novembro.
Apesar dos avanços que já foram obtidos e que são reconhecidos por ambas as partes, há no país certo temor de que o processo fracasse, tal como outros que foram levados a cabo por governos anteriores.
Agência Efe

Representantes das FARC e do governo colombiano plantaram árvore da paz em Havana em meados de dezembro
De acordo com o economista, cientista político e coordenador da cátedra e rede ONU-Unesco de Economia Global e Desenvolvimento Sustentável-Reggen, Theotonio dos Santos, em entrevista ao Portal Vermelho em 2012, “as FARC têm buscado apoio político há muitos anos. Mas alguns acordos foram terríveis porque mataram os guerrilheiros quando eles saíram para a legalidade”, lembra.

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Um desses, e talvez o mais emblemático, foi proposto pelo governo de Belisario Betancur (1982-1986), em 1984, para tentar que os grupos guerrilheiros se integrassem à vida política do país. Assim, no mesmo ano, as FARC, em conjunto com o Partido Comunista, criaram a UP (União Patriótica), com o objetivo de disputar as eleições. No pleito de 1986, a UP conseguiu 14 representantes no Congresso, 18 deputados em 11 assembleias departamentais e 335 conselheiros municipais de 87 cidades e aldeias.
Repressão
Mas o que ocorreu posteriormente foi uma dura repressão do Exército, que não aceitou o cessar-fogo e a tentativa de pacificação proposta. Entre 1986 e 1998, cerca de quatro mil integrantes da UP foram mortos, tanto pelas forças colombianas, como por paramilitares. Para Theotonio, a saída política no país precisa prever que os integrantes das guerrilhas “têm que ter proteção e, inclusive, um grau de influência sobre as Forças Armadas Colombianas para que ela não fique exclusivamente na mão de grupos repressivos, que são muito violentos”.
Agência Efe

Diálogos de paz têm o apoio de todos os países latino-americanos e, inclusive, do governo norte-americano
A guerrilha não adianta como planeja se integrar de fato à política do país porque “é um tema que ainda precisa ser discutido”, diz Calarcá. Mas, para evitar que algo semelhante ao que ocorreu no processo de Belisario Betancur aconteça, a mesa de diálogos prevê a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Para os insurgentes, “é necessário mudar a lei fundamental para que haja participação das maiorias nacionais que possam garantir que um próximo governo não possa negar e desconhecer o acordo de paz pactuado”, afirma. É preciso também que esta seja uma “política de Estado e não de governo, de forma que fique respaldada pela legislação do país de forma que todos os governos e todos os poderes públicos se submetam a esses acordos para que possamos construir a paz”, concluiu o guerrilheiro.
O processo, no entanto, não tem apoio do governo. Apesar de o acordo prever a necessidade de uma aprovação popular, o chefe da equipe de negociação do governo nos diálogos de paz, Humberto de la Calle, argumentou, em entrevista à Revista Semana, que uma Constituinte mais do que um mecanismo para referendar,  “é um cenário para uma nova deliberação”. Assim, não seria o ponto final do diálogo, mas o começo do mesmo, porque, “ao invés de aprovar o tema, abre as portas para a revisão e até a negação do pactuado”.
Outro ponto apontado pelo governo é que o processo de Havana não vai “refundar a pátria”. E questionou: “quem poderá garantir que ao invés de aprofundar o espírito tolerante da Constituição, estaremos abrindo as portas para uma contrarreforma?”
Dos seis pontos que são discutidos em Havana, três já foram aprovados parcialmente: desenvolvimento agrário, participação política e drogas ilícitas. No atual estágio das conversas, está sendo discutida a questão das vítimas e subcomissões trabalham nos tópicos relacionados ao fim do conflito e implementação, verificação e referendo dos diálogos.

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