quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Desastre consumado


08/01/2015

Antônio Álvares da Silva*
 
Está nas mãos da presidente da República para sanção o novo Código de Processo Civil. O Congresso cometeu um grande erro em aprová-lo e a presidente cometerá outro pior ainda se sancioná-lo. Está provado que não temos sabedoria e discernimento para enfrentar os problemas do Judiciário nem combatê-los de modo adequado.
 
Pertence à cultura do mundo jurídico brasileiro um antigo e persistente erro de achar que com novas leis resolvemos tudo. As leis fariam o milagre de que precisamos: acabariam com a desigualdade social, a tensão empregado-empregador, as disputas familiares, a diferença entre pobres e ricos. E todos viveríamos num paraíso.
 
A realidade é, infelizmente, muito diferente. As leis não têm uma alavanca mágica que move o mundo no sentido dos valores que elas pretendem impor à sociedade. Leis são pensamentos normativos que o Estado impõe a seus concidadãos, para melhorar-lhes e vida e garantir-lhes a paz social. Por isto, o legislador é como o poeta: o mundo tal como ele é não lhe basta. Quer sempre mudá-lo segundo os valores acolhidos pelas leis.
 
São conhecidos os problemas do Judiciário, que ainda está no século 18 e, pior ainda, insiste em lá ficar. Não abriu ainda as janelas de seus tribunais para receber o novo sopro dos tempos renovadores que vivemos neste pós-moderno, cujas mudanças e valores a cada dia se transformam com intensa velocidade.
 
Para renovar seu arcaísmo e o atraso, o legislador dá satisfação ao povo através de leis novas, esquecido de que a lei atua no mundo concreto. Se não há aparelho coercitivo para impô-la, cai no limbo das normas não cumpridas e perde-se o esforço da mudança que ela pretendia trazer à realidade.
 
Para reformar o Judiciário, não precisamos de códigos novos de quase mil artigos, mas de uma lei simples e objetiva que incorporaria ao que temos as mudanças de que precisamos, harmonizando as partes boas que os dois códigos têm (o atual e o projeto). Ajuntaríamos o novo com o velho, naquilo que ambos possuem de bom, mas sem derrubar todo o edifício e destruir tudo.
 
O processo é essencialmente formal. Vive de muitas regras de composição de litígios que os juristas chamam de procedimentos, as quais em seu conjunto formam os institutos do processo: audiências, pedidos, defesa, recursos, execução, etc. Estas regras já estão hoje assentadas pela atividade dos tribunais, que as aplicam desde 1973, quando entrou em vigência o atual CPC, sem dúvida um bom código que a jurisprudência aperfeiçoou mais ainda. Então por que revogá-lo jogando por terra um esforço de 41 anos, sem discernir entre o bom, que deve ficar, e o ruim, que deve ser extirpado?
 
O leitor não tenha dúvida. Nos primeiros anos de vigência do novo CPC viveremos um caos na sua aplicação. Cada juiz com um entendimento, recursos para tudo, sobrecarga em todas as instâncias. 
 
A presidente Dilma faria um grande serviço se vetasse esta insensatez de novo CPC e pedisse ao Congresso uma lei renovadora que teria fácil penetração e atingiria os mesmos propósitos do novo Código. Caso contrário, o Brasil viverá mais uma farsa em sua História, só que desta vez prejudicando a nação inteira. Cumpre aqui relembrar a famosa frase de Tácito, uma verdade de 21 séculos: Plurimae leges, corruptíssima Respublica – Quanto mais leis tem a República, mais corrupta ela é.
 
Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG

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