domingo, 21 de dezembro de 2014

'O Porto de Mariel não é um investimento'

ENTREVISTA

Economista e cientista político Marcos Troyjo diz que Brasil colocou muitas fichas em aliança entre regimes mais à esquerda


Troyjo
Economista e cientista político Marcos Troyjo é fundador e diretor do BRICLab na Universidade Columbia
PUBLICADO EM 21/12/14 - 04h00
O economista e cientista político Marcos Troyjo é fundador e diretor do BRICLab na Universidade Columbia, em Nova York, um fórum sobre Brasil, Rússia, Índia e China. Ele é professor da Columbia-SIPA, School of International and Public Affairs, e professor-conferencista do Ibmec.
Seus estudos concentram-se em áreas como desenvolvimento econômico, relações internacionais, mercados emergentes, inovação e evolução tecnológica. Troyjo é também professor-visitante da Academia Presidencial Russa e da Sorbonne. Trabalhou como diplomata de carreira servindo na Missão do Brasil junto à ONU em Nova York e chefiando o gabinete do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores.
Suas análise são veiculadas com frequência no Brasil e no mundo. É colunista da 'Folha de S. Paulo', do 'Latin Business Chronicle' e comentarista regular da 'CNN en español'. Ele é conselheiro de empresas e entidades do terceiro setor no Brasil e no exterior.
É autor de livros sobre geoconomia e estratégias de desenvolvimento, como Nação-Comerciante, escolhido pela revista americana 'Americas Quarterly' como um dos melhores lançamentos de 2007. Seu novo livro, A Chegada da Reglobalização, será publicado em abril de 2015.
 
A entrevista:
Você entende que o Brasil tomou uma "lambada" de Cuba com essa reaproximação deles com os EUA. Gostaria de explorar mais esse assunto. Por que, em sua opinião, o Brasil levou essa lambada?
Porque nos últimos 12 anos o Brasil apostou num dos polos de uma América Latina de "duas velocidades". Colocou muitas fichas na suposta aliança entre os regimes mais à esquerda e não priorizou relações com os EUA. Liderou também iniciativas de clara oposição aos EUA, como a UNASUL, que ajudou a esvaziar a OEA de significado.
Nossa região passa por um movimento de "rearrumação das camadas tectônicas". Com isso, temos a consolidação de dois grupos com velocidades diferentes. De um lado um polo socialista-bolivariano, que se baseia na expropriação de estrangeiros da posse dos meios de produção, confrontação ideológica com os Estados Unidos e na onipresença do estado na vida econômica. Aparentemente tinha sua sobrevivência garantida por preços de commodities cada vez mais elevados. Venezuela, Argentina e de alguma forma Bolívia e Equador integram esse grupo - e obviamente Cuba era seu epicentro histórico.
A outra América Latina está efetivando reformas estruturais que os países do primeiro grupo não fizeram. Agora costuraram uma aliança cuja população e o PIB somados são do tamanho do Brasil. Falo obviamente da Aliança do Pacífico, formada por México, Chile, Colômbia e Peru. E não é uma aliança em si, voltada para trocar produtos, é uma plataforma para agregação com outras áreas, estão envolvidos na formação da parceria Transpacífica, que vai envolver também Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos. 
Nessa formação da América Latina de duas velocidades, o Brasil é uma espécie de Hamlet, que fica enredado no dilema do "ser ou não ser". Do lado do "não ser", muitos acham que esta visão aumenta a dependência da economia em relação aos Estados Unidos e o Brasil não está pronto. E por outro, o "ser". Cada vez mais, o empresariado e o setor industrial, historicamente refratários aos acordos de cooperação internacional, estão mudando. O presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria) já disse que quer um acordo com os Estados Unidos. O que há é um cabo de guerra entre duas forças que querem levar o Brasil para seu campo.Cuba, agora num momento de mais pragmatismo, terá nos EUA, e não no Brasil ou na Venezuela, sua principal referência geoeconômica. 
Outros especialistas afirmam que o Brasil já estaria em uma "vanguarda" por ter estreitado relações com Cuba há mais tempo. Você discorda? Qual sua opinião sobre isso? 
É claro que a economia não é - e tampouco deve ser - o único vetor da diplomacia de um país. O tema da solidariedade, por exemplo, é muito importante.No entanto, o potencial de cooperação comercial e de investimentos com Cuba é irrisório. A economia cubana é pequena (com PIB oficial de cerca de US$ 65 bilhões, embora eu ache que esses números são inflados). Isso representa apenas, 0,08% do PIB global. Cuba não é fonte de IEDs (investimentos estrangeiros diretos) de que o Brasil tanto precisa. Não há portanto em Cuba uma parceria de escala que possa ser considerada relevante para um país com as dimensões do Brasil.  
O Porto de Mariel agora está começando a ser encarado como um bom investimento brasileiro. O que você pensa sobre o assunto?
O Porto de Mariel não é um investimento. Obras que se realizaram no Porto foram empreendidas por companhias brasileiras com financiamento majoritário do governo brasileiro. Trata-se de financiamento de exportação de serviços. Não será o Brasil ou qualquer empresa brasileira que operará Mariel, mas uma companhia de Cingapura. Não há privilégio ou facilidade alguma no que toca ao futuro do Porto apenas por que empresas brasileiras ajudaram a construí-lo. O aeroporto de Miami também contou com participação de construtoras brasileiras - nem por isso abrem-se oportunidades especiais para o Brasil.
O que o Brasil ganha e o que ele perde com essa reaproximação de EUA e Cuba? 
Do ponto de vista econômico o perde-ganha é pequeno. Obviamente, Cuba voltará a gravitar em torno da influência econômica dos EUA. Da perspectiva diplomática, todas as iniciativas apoiadas pelo Brasil no sentido de criar polos de cooperação hemisférica sem a participação dos EUA perdem força.
O que deve acontecer a partir de agora para que o embargo seja derrubado definitivamente?
O único obstáculo para que o embargo seja superado é a aprovação por parte do Congresso norte-americano. Além das resistências ideológicas à normalização das relações com Havana, existe a questão da reparação às empresas dos EUA que tiveram seus ativos nacionalizados e estatizados pelo governo revolucionário Cubano.  Não será uma tramitação fácil.
 

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