terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Deus criou o homem, mas parece que sua criatura não deu certo

Acílio Lara Resende

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PUBLICADO EM 04/12/14 - 04h00 - O Tempo
No meu artigo da semana passada, ao me referir à Polícia Federal, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário (do Paraná, onde trabalha o juiz Sergio Moro, embora não tenha especificado), como força de expressão, afirmei que essas instituições não pertencem ao Poder Executivo, representado pela presidente Dilma Rousseff. A primeira, porém, como observou o jornalista José de Castro, pertence ao Executivo, mas se trata de um órgão de Estado, não de governo, e, como tal, necessita de autonomia para investigar. Ao governo cabe, apenas, não atrapalhar.

Há alguns dias, na “Folha de S.Paulo”, em sua crônica semanal, o poeta e agora acadêmico Ferreira Gullar se ressentiu de ser forçado, em defesa da nossa cidadania, a escrever sobre política. Tenho sentido o mesmo desconforto do poeta. Tento me afastar do assunto hoje, mas não posso deixar de me referir à entrevista do presidente do Uruguai, José Mujica, à mesma “Folha de S.Paulo”, no dia 26.11.2014.

Mujica tratou de vários assuntos. A resposta que deu à pergunta do repórter sobre seu estilo simples de vida deveria ser o capítulo principal do “breviário do político brasileiro”: “Me entristece – desabafou ele – porque, nas repúblicas, em última instância, as decisões fundamentais são da maioria. Portanto, os governantes devem responder às maiorias, não às minorias. Se minha forma de vida for a dos círculos economicamente privilegiados de meu país, ela não estará de acordo com o que vive a maioria. Vivo como vive a imensa maioria do povo”.

Depois disso, não teria nada tão importante para dizer, leitor, mas não me custa alongar um pouco mais estas linhas para me referir ao filme que recebi via internet e, ao mesmo tempo, justificar o título que dei a este artigo: numa roda de bate-papo, oportunidade ideal para se jogar conversa fora (há algo melhor do que isso?), após intensa discussão sobre corrupção de modo geral, com ênfase sobre o petrolão, disse que – não sempre, mas, às vezes – o ser humano nos dá a nítida impressão, senão a certeza, de que não deu certo. E não foi por culpa de Deus que não deu certo. Ou o livre arbítrio é conversa fiada pura?

Um dia depois de ter dito o que disse, exatamente numa segunda-feira, recebi, via internet, sob o título “Save Water”, excelente filme feito na Índia. O ator principal não é um homem, nem “o maior amigo do homem”. É um macaco. O filme trata do nosso maior tesouro: a água, cuja falta poderá provocar – conforme afirmou há anos o empresário Antônio Ermírio de Moraes, já falecido, que não era um pessimista, mas um otimista convicto – a terceira grande guerra mundial.

Enfim, o filme: na Índia, numa cidade qualquer, numa praça qualquer, um chafariz, dotado de grande torneira, deixa correr o precioso líquido. Inúmeras pessoas passam por ele, mas nenhuma se preocupa com o que vê. De repente, um macaco rhesus, que habita as florestas da Índia, da China e do Afeganistão, se dirige calmamente ao bebedouro e, demonstrando muita sede, farta-se o quanto pode e, satisfeito, fecha a torneira. No final, para nossa enorme vergonha, uma pergunta, que é um verdadeiro bofetão em nossa cara, que assume, às vezes, uma fisionomia de idiota: “Se ele pode, por que não podemos?”

Já os malfeitores do petrolão, além das severas penas – imediata devolução do dinheiro, indenização e prisão –, deveriam ser condenados a copiar, enquanto viverem, a belíssima lição de Mujica.

Será que aprenderiam?

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