sábado, 13 de dezembro de 2014

Destruição causada na guerra ainda atrapalha progresso do Paraguai

13/12/2014 07h30 - Atualizado em 13/12/2014 07h33

País perdeu parte significativa de seu território e teve população dizimada.

No Brasil, guerra contribui para o desenvolvimento do Exército.

Do G1, em São Paulo
Igreja de Humaitá destruída na Guerra do Paraguai (Foto: Fundação Biblioteca Nacional)Igreja de Humaitá destruída na Guerra do Paraguai (Foto: Fundação Biblioteca Nacional)
Não há consenso sobre os motivos que levaram Solano López a declarar guerra contra o Império do Brasil há 150 anos, em 13 de dezembro de 1864. O confronto terminou somente com a morte do líder paraguaio, em março de 1870, quando foi ferido por um golpe de lança  e atingido com um tiro de fuzil. No entanto, em relação às consequências da guerra, estudiosos ouvidos pelo G1 concordam que foram catastróficas, especialmente para o Paraguai.
Além de ser saqueado, ter a população dizimada e toda a infraestrutura destruída, o Paraguai ainda teve de pagar uma dívida de guerra ao Brasil até 1943, quando foi perdoada no governo de Getúlio Vargas.
O historiador Ricardo Salles, professor na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), explica que o país permanece até hoje à margem do desenvolvimento. “Foi uma guerra que acabou com o país demograficamente e também provocou perdas territoriais significativas. Com certeza, o Paraguai enfrenta as consequências da guerra até hoje, que foram agravadas pelo conflito no Chaco [contra a Bolívia].”
Porém, Salles acredita que os governos paraguaios que se seguiram ao confronto não colaboraram para que o país recuperasse o desenvolvimento. “A guerra não justifica a situação que o Paraguai enfrenta até hoje. A história anda, e o Paraguai, depois da guerra, teve uma série de governos que poderiam ter sido melhores do que foram e ter dado um novo rumo ao país nestes 150 anos, se tivessem outras escolhas.”
A guerra também é muito mais conhecida no Paraguai do que no Brasil, como explica o historiador Marcelo Santos Rodrigues, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP) e professor na Universidade Federal do Tocantins (UFT). “Na tentativa de renascer de uma derrota, você acaba revisitando a história. Reviver a guerra, não do ponto de vista da derrota, mas na contramão do imperialismo argentino e brasileiro.”
Prisioneiros paraguaios capturados na guerra (Foto: Fundação Biblioteca Nacional)Prisioneiros paraguaios capturados na guerra (Foto: Fundação Biblioteca Nacional)
População dizimada
Para Rodrigues, um dos principais problemas enfrentados pelo Paraguai foi o grande número de mortos. “Como em qualquer guerra, o maior impacto foram as mortes, além dos crimes de guerra cometidos durante os mais de cinco anos em que o Brasil conduziu o conflito. Há um impacto muito mais humano. A população masculina foi quase toda massacrada. Do ponto de vista humano, foi um genocídio.”
Não há estatísticas precisas sobre o total de habitantes do Paraguai na época, mas diferentes autores afirmam que a população total variava de 400 mil a 1,2 milhão de pessoas. O número de mortos muda conforme a estimativa sobre o total de habitantes. No livro “Genocídio Americano: a Guerra do Paraguai”, Julio José Chiavenatto aponta que o Paraguai tinha aproximadamente 800 mil habitantes no início da guerra e, após o confronto, restariam pouco mais de 2 mil homens acima de 20 anos. O restante da população seria formado por aproximadamente 9 mil meninos até 10 anos e cerca de 180 mil mulheres.
Já o historiador Francisco Doratioto, professor da Universidade de Brasília (UnB), calcula em seu livro “Maldita Guerra” que o total de habitantes do Paraguai variava de 285 mil a 450 mil pessoas, e as perdas ficaram entre 28 mil e 278 mil pessoas.  Em relação às baixas da Tríplice Aliança, ainda segundo Doratioto, de 139 mil soldados brasileiros enviados para a guerra, cerca de 50 mil morreram. A tropas argentinas perderam 18 mil homens dos pouco menos de 30 mil enviados à frente de batalha, e as mortes uruguaias ficaram em torno de 5 mil soldados dos cerca de 5,5 mil enviados para a guerra.
Procissão no Tagy durante a Guerra do Paraguai (Foto: Fundação Biblioteca Nacional)Soldados brasileiros fazem procissão em
acampamento durante a guerra
(Foto: Fundação Biblioteca Nacional)
Abolição e República
Rodrigues avalia que houve um crescimento grande do Brasil em relação às questões sociais. “Do ponto de vista histórico, a guerra uniu todo o país em torno de uma mobilização nacional. Antes, tínhamos o país mais fragmentado, com diversas províncias. Houve, de certa forma, uma modernização do Brasil do ponto de vista logístico de equipamentos de guerra, armamentos, navios”, explica.
O desenvolvimento do Exército brasileiro também é uma consequência citada por Chiavenato, pois até então “ele não existia como força militar, era apenas uma peça decorativa, não tinha condições de atuar em conflito daquele porte”. O autor também relembra que a guerra acabou por consolidar a “formação nacional dos países” envolvidos, com a garantia da independência do Paraguai e a delimitação das fronteiras.
Muitos dos homens que participaram das batalhas também contribuíram para a proclamação da República, 18 anos depois. Segundo Rodrigues, apesar da polêmica que existe em relação à participação de escravos no Exército brasileiro, essa presença colaborou para que fossem aceleradas as discussões que resultaram na abolição. “Embora o negro tenha sido libertado para se tornar soldado e para lutar, não seja mais um escravo, ele é colocado ao lado de um branco para lutar contra um inimigo comum. É evidente que essas pessoas, quando retornam, não vão querer a escravidão como instituição. Acelerou um processo de mudanças sociais, políticas e econômicas que pareciam estagnadas no Brasil.”
Endividamento
No Brasil, diz Chiavenato, “a guerra afetou a sociedade inteira”, servindo como um “trauma” também devido ao débito causado pelos empréstimos obtidos junto à Inglaterra. “Sem estes empréstimos o Brasil não conseguiria se manter. Muito do dinheiro foi desviado, e o Brasil nunca mais pagou a dívida externa, que só foi crescendo. A Inglaterra foi fundamental para o financiamento da guerra.”
Para o historiador, uma das consequências da guerra é a situação de dependência que o Paraguai possui até hoje em relação ao Brasil e à Argentina. “O Paraguai nunca conseguiu se recuperar. Não é uma dependência militar, mas comercial. Tudo o que o Paraguai exporta é para o Brasil. Se o Brasil fechar as portar, o Paraguai acaba”.

Nenhum comentário: