terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Crise Russa: o pior ainda está por vir

FÁBIO ALVES - Estadão

16 Dezembro 2014 | 12:21

Ataque ao rublo pode não ser apenas um movimento especulativo de investidores que querem ganhar dinheiro rapidamente

Putin: mais medidas após alta surpreendente dos juros para 17% ao ano (Foto: AP)
Putin: mais medidas após alta surpreendente dos juros para 17% ao ano (Foto: AP)
A surpreendente elevação pelo Banco Central russo da taxa básica de juros de 10,5% para 17% não evitou que o rublo voltasse a despencar nesta terça-feira, renovando mínimas históricas frente ao dólar ao longo da tensa sessão de negócios, o que deflagrou o temor entre investidores de que o próximo passo do governo será impor controle de capitais.
Na sessão de negócios desta terça-feira, o rublo chegou a perder 30% do seu valor frente ao dólar. Na máxima do dia, cada dólar chegou a trocar de mãos por 80 rublos.
A queda livre da moeda russa hoje, mesmo com a disparada dos juros básicos, diz que o pior ainda não ficou para trás e que o ataque ao rublo pode não ser apenas um movimento especulativo de investidores que querem ganhar dinheiro rapidamente.
A crise cambial na Rússia tem, para vários analistas ouvidos por esta coluna, origem no pessimismo em relação aos fundamentos da economia russa. O sentimento é que as medidas adotadas não somente pelo BC, mas também pelo governo como um todo, não foram agressivas ou profundas o suficiente para reconquistar a confiança do mercado, entre elas uma mudança nos gastos públicos.
Em conversa com esta coluna, Sebastien Galy, estrategista de câmbio do banco francês Société Générale em Nova York, argumentou que se fosse apenas um ataque especulativo, a severa elevação da taxa básica dos juros pelo BC russo teria causado fortes perdas aos especuladores, que seriam “squeezed” (ou espremidos) da posição de aposta na alta do dólar e sairiam do mercado, proporcionando uma recuperação da moeda russa.
“Como o rublo seguiu batendo mínimas históricas, em vez de se estabilizar frente ao dólar após a severa elevação dos juros básicos, mostra que ainda há uma demanda reprimida para venda da moeda russa, especialmente por empresas e administradoras de recursos, que parecem não estar satisfeitas com o escopo das medidas econômicas adotadas pelas autoridades russas”, explicou Galy.
O governo e o BC russos vêm sofrendo com uma sistemática perda de credibilidade dos investidores internacionais desde que a economia do país começou a sofrer com maior intensidade os efeitos das sanções impostas pela crise com a Ucrânia e também desde a forte queda nos preços do petróleo, produto cujas exportações respondem por quase metade da arrecadação do governo russo. Desde junho, o preço do petróleo acumula queda de 40%.
Em novembro, o BC jogou a toalha e deixou de controlar a cotação da sua moeda, anunciando uma maior flutuação do rublo ao ampliar o corredor de oscilação da divisa. Isso porque, para manter o corredor de oscilação da moeda, a autoridade monetária russa gastou US$ 30 bilhões das suas reservas internacionais apenas no mês de outubro. Essas reservas vêm caindo ao longo deste ano e devem estar bem abaixo dos US$ 400 bilhões, acendendo a luz amarela para muitos investidores.
Para não perder reservas rapidamente, pois a medida não conseguiu reconquistar a credibilidade esperada, o governo resolveu elevar os juros básicos, até para tentar conter o efeito da forte depreciação cambial, que é a alta nos preços de bens e serviços. A inflação russa deve bater 10% neste ano.
O outro lado dessa decisão de jogar a taxa básica de juros nas alturas é o risco substancial de recessão. Antes da elevação dos juros, o governo russo projetava um crescimento zero do Produto Interno Bruto (PIB) em 2015, mas tal previsão era otimista em relação ao que o mercado até então estimava.
A agência de rating Moody’s, por exemplo, previa até o mês passado uma contração de 1% do PIB russo em 2015. O Deutsche Bank projetava retração de 0,9%. E a consultoria Oxford Economics previa um recuo de 3% da economia russa no próximo ano.
Agora, com o aumento no custo do dinheiro, reflexo da alta da taxa básica de juros, o crédito poderá minguar, levando consigo a atividade econômica. Sem falar que, com a credibilidade chamuscada, o governo dificilmente conseguirá evitar uma queda na confiança de consumidores e empresários. O investimento deve sofrer em 2015.
A presidente do BC russo, Elvira Nabiullina, foi à TV estatal do país para tentar tranquilizar o mercado após a elevação dos juros e dizer que o rublo está subvalorizado depois das sucessivas perdas frente ao dólar. De pouco adiantou. Também não surtiu o efeito desejado a promessa dela de que o BC russo não tinha planos de impor nenhum tipo de “restrições administrativas” no câmbio, ou seja, controle de capital.
O mercado não está dando o benefício da dúvida à Rússia.
Quanto mais o rublo poderá perder frente ao dólar?
Um estrategista de câmbio de um banco inglês, que pediu para não ser identificado, disse que é fácil dizer quando uma moeda está sobrevalorizada ou cara frente ao dólar. “Mas é difícil prever o quanto mais o rublo poderá cair, pois isso vai depender de novas medidas econômicas, algumas mais amplas, incluindo sinalização de reformas, que o governo será forçado a anunciar”, disse a fonte. “Até o anúncio de medidas que agradem o mercado, a Rússia vai continuar vulnerável.”
O mais preocupante é que, sem a perspectiva de a crise cambial russa se estabilizar, a dúvida é: o quanto as perdas poderão contaminar outros mercados emergentes, não somente do Leste Europeu – os que têm maior vínculo econômico com a Rússia – mas também de outras regiões, como o Brasil, que pode ser afetado via redução de fluxos de capital de investidores estrangeiros em busca da proteção de uma moeda forte, como o dólar?
* Fábio Alves é jornalista do Broadcast

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