domingo, 14 de dezembro de 2014

A banalidade da corrupção


Ricardo Galuppo
Ricardo Galuppo
rgaluppo@hojeemdia.com.br

14/12/2014

O gaúcho Pedro Simon, que na quarta-feira passada despediu-se do Senado depois de mais de 30 anos de vida parlamentar, tinha o hábito de vociferar contra políticos flagrados em atos de corrupção. Com oratória inflamada, gestos eloquentes e caretas estudadas, ele costumava sugerir da tribuna que os flagrados com a boca na botija se demitissem antes que fossem mandados para casa. A virulência do discurso variava conforme a proximidade que ele mantinha com o acusado e foi se arrefecendo ao longos dos últimos 12 anos.
 
Um adversário que cometesse uma escorregadela era tratado com mais rigor do que um aliado que tivesse surrupiado milhões. Isso mesmo. Se o corrupto militasse na corrente aliada, o senador do PMDB até podia criticar o malfeito. Mas sempre dava um jeito de preservar a honra do malfeitor. 
 
Talvez por esse traço de personalidade, o experiente Simon tenha se limitado, em sua derradeira passagem pela tribuna, a fazer uma menção ligeira aos escândalos da Petrobras — vistos por ele como uma “punhalada traiçoeira”. No ocaso de uma carreira que ele mesmo considerou dedicada ao combate à corrupção, Simon deixou barato esse que pode ficar na história como um dos maiores casos de desvio de dinheiro público do mundo.
 
Esse tem sido um dos grandes problemas do Brasil. Além da indignação seletiva, que trata a corrupção dos adversários com mais fúria do que a dos aliados, as pessoas comuns têm considerado normal assistir à sangria dos cofres públicos.
 
A corrupção está tão arraigada aos hábitos de quem faz negócios públicos, que se indignar diante dos escândalos passou a ser visto como um gesto fora de moda. Em um de seus livros mais conhecidos, Eichmann em Jerusalém, a filósofa alemã Hannah Arendt fala da naturalidade com que se cometiam atrocidades contra os judeus no período de domínio nazista sobre a Alemanha. 
 
O subtítulo da obra, Um Relato Sobre a Banalidade do Mal, se refere à indiferença com a qual o nazista Adolf Eichmann, um dos responsáveis por implementar a “solução final” de Adolf Hitler, se referia à missão de exterminar judeus. Para ele, sua contribuição para o genocídio não passara do cumprimento de uma missão burocrática que ele havia recebido do comando do Partido Nazista. 
 
É mais ou menos assim que se comportam os políticos brasileiros frente aos desvios de dinheiro público — e muitos deles com tanta naturalidade que fazem lembrar o personagem Justo Veríssimo, criado pelo gênio do humor Chico Anysio. A questão é que o Veríssimo do humor assumia que o destino do dinheiro desviado era seu bolso. 
 
Já os de hoje procuram dar uma, vamos dizer assim, justificativa política para o malfeito. Todo corrupto pego com a mão na massa sempre vem com a desculpa de que o dinheiro não era para ele. Era repassado para o partido com a finalidade de ajudar a financiar campanhas eleitorais. Desviar dinheiro público tem se tornado, no Brasil, um ato banal. Tão banal que mais ninguém se importa com ele. 

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