terça-feira, 21 de outubro de 2014

O dia em que a internet sumirá

A rede de computadores não deixará de existir. Mas, quando tudo e todos estiverem conectados, deixaremos de pensar nela – e a vida será bem diferente

BRUNO FERRARI, DE SHENZHEN E XANGAI, E MARCOS CORONATO
21/10/2014 09h15
O dia em que a internet sumirá (Foto: Rafe Swan/Corbis)
A energia elétrica demorou décadas para se tornar popular. Em 1879, Thomas Edison inventou a lâmpada incandescente, e ela começou a ser usada na iluminação pública. Nos anos seguintes, Edison também eletrocutou gatos, cães, vacas e até um elefante, para mostrar ao público o perigo do fornecimento de energia em corrente alternada (que usamos hoje). Os cidadãos temiam a instalação da fiação nas ruas. Em 1910, menos de um décimo das casas americanas tinha acesso à eletricidade, cara e instável. Só nos anos 1950 acionar um interruptor se transformou em ato trivial. Epopeia similar envolveu a difusão dos automóveis a gasolina. Os primeiros fabricados em série começaram a circular na Alemanha em 1888. Doze anos depois, aconteceu o primeiro atropelamento fatal, em Londres. O pedestre foi incapaz de evitar o carro. Ele se deslocava na mesma velocidade que uma pessoa caminhando rapidamente, 6,5 quilômetros por hora. Diz a lenda que o médico-legista manifestou a esperança que nunca mais houvesse um acidente do tipo. Viajar de carro exigia planejamento, dada a raridade dos postos de combustível. Hoje, nas maiores cidades, o cidadão dispõe de eletricidade, carro, táxis e ônibus à vontade, nem precisa pensar sobre como usá-los. Antes de se integrar ao cotidiano, essas tecnologias precisaram evoluir. A internet também evolui – e se aproxima o dia em que deixaremos de pensar nela. Isso mudará a forma como nos relacionamos, trabalhamos e planejamos o dia.
O salto de qualidade e abrangência da internet, tão jovem, impressiona. Lançada comercialmente no início dos anos 1990, a rede já tem quase 3 bilhões de usuários e conecta 6 bilhões de objetos mundo afora. O acesso é feito por computadores, smartphones,
tablets, relógios e outros eletrodomésticos. Cargas, veículos e satélites também estão na rede. Mas ainda faltam qualidade e confiabilidade. Mesmo em países ricos, conectar-se exige saltar obstáculos. O usuário precisa pensar se há internet sem fio à disposição, no tamanho dos arquivos que deseja enviar ou receber, na velocidade da conexão, nos preços dos pacotes, na qualidade do acesso. Em São Paulo, Xangai ou Berlim, o Wi-Fi dos hotéis é precário. Publicar uma foto numa rede social durante um show de música é um lance de sorte. Agora, há uma previsão para que os obstáculos sumam. Se estiver certa, em 2025 a internet desaparecerá de nossas preocupações.

A próxima geração de redes de telefonia móvel, a quinta, chamada de 5G, promete transformar a experiência do acesso. É a evolução das redes em implementação no Brasil hoje, de quarta geração, ou 4G. Uma rede 5G será mais veloz e estável. Um cético, com razão, poderá se lembrar de promessas anteriores, frustradas. Desta vez, há duas grandes transformações a considerar.

A primeira é que a velocidade de transmissão deixará de fazer diferença. Nos saltos tecnológicos anteriores, entre a primeira e a quarta gerações de telefonia móvel, do 1G ao 4G, a velocidade se multiplicou por 100 mil (da faixa de 1 Kbps para 100 mil Kbps, ou 100 Mbps, a promessa das redes de 4G atuais). As conexões 4G de hoje raramente cumprem o prometido. Costumam oferecer só um quinto da velocidade potencial. O que importa é que o aumento da velocidade, desde os anos 1980, e as oscilações que ela sofre nas redes atuais ainda estão dentro do alcance da percepção comum. Cada nova geração tecnológica significou mais facilidade, bem perceptível, para baixar uma foto ou assistir a um vídeo. Mas cada oscilação na velocidade também significa, ainda hoje, incômodos segundos a mais para baixar a foto ou assistir ao vídeo. O 5G levará a velocidade a outra escala, acima das necessidades que temos hoje. Oscilações na transmissão farão diferença de frações de segundo, abaixo da percepção humana.

Dispor de uma velocidade de transmissão real de 10 Gbps, 500 vezes a atualmente oferecida pelo 4G, significaria parar de pensar se sua conexão é rápida ou lenta. Nessa velocidade, ela apenas “é”, como a eletricidade – está ligada ou desligada. O avanço, a partir daí, será imperceptível. Para o tipo de conteúdo mais pesado que transmitimos atualmente, como  filmes, velocidades de 10 ou 15 Gbps dão na mesma.
 
NO 5G, não existirá mais conexão rápida ou lenta. Ela estará apenas ligada ou desligada, como a eletricidade
Ainda há a segunda característica que diferencia o salto para 5G das mudanças anteriores. Ele será usado para funções além de fazer chamadas de voz e conectar-se à internet com boa qualidade, em smartphones ou tablets. É a tecnologia que integrará roupas, óculos, joias, casas, objetos de decoração, automóveis, estradas, máquinas industriais e uma infinidade de objetos, 24 horas por dia, na “internet das coisas”. Estima-se que, em 2025, o mundo terá mais de 100 bilhões de objetos conectados. Pelo modelo atualmente em desenvolvimento, isso exigirá a instalação de um novo tipo de antena. Além das atuais, grandes, que oferecem conexão num raio de quilômetros, haverá antenas pequenas, a cada 100 ou 200 metros, dentro e fora das casas e edifícios. Cada uma garantirá transmissão e recepção de dados dos aparelhos conectados nas proximidades – o computador na mesa, o carro que passa em alta velocidade, o relógio no pulso do ciclista, o painel na vitrine da loja, o espelho do banheiro que informa a previsão do tempo e a geladeira que recomenda compras.

Toda essa expectativa ainda se baseia em ideias e experiências em laboratórios. Tentar antever o futuro é uma atividade arriscada. Não sabemos quanta informação transmitirá um carro autônomo, conectado a uma estrada inteligente. Ou qual será o tamanho de um arquivo de realidade virtual. O usuário tem vasta capacidade de se acostumar rapidamente ao que há de bom numa novidade e começa a perceber somente seus defeitos. O usuário de 2025 encontrará motivos novos para reclamar de sua conexão com a internet. Mas vale a pena prestar atenção ao avanço do 5G. 

A definição do padrão está prevista para ocorrer em 2018. “O 3G levou nove anos para ser adotado. O 4G, cinco. É provável que o 5G leve menos que isso. As janelas de inovação estão mais estreitas”, diz Weng Tong, pesquisador do Centro de Pesquisa do Canadá e cientista do laboratório de tecnologias sem fio da empresa de telecomunicações Huawei, em Xangai, na China. Um estudo da Huawei tenta dar uma ideia de como será o mundo em 2025 (leia os dados no quadro abaixo). Serão gerados, anualmente, 177 zettabytes de dados – 46 vezes o que se produz hoje. A tecnologia sem fio 5G, sozinha, não atenderá às necessidades desse mundo futuro hiperconectado. Deverá ocorrer a difusão da banda larga fixa, por meio  de fibra óptica.

Mais interessante é pensar nas mudanças no comportamento e nas oportunidades. Em 1983, o matemático, cientista e escritor de ficção científica americano Vernor Vinge inventou o termo “singularidade tecnológica”. Vinge referia-se a um evento capaz de provocar uma ruptura no tecido da história, como o advento da inteligência artificial superior à humana. Um dos avanços que poderiam contribuir para o aparecimento da singularidade, imaginou Vinge, seria uma rede de computadores se tornar consciente. Vinge chamou essa hipótese de “Cenário Internet”. Ela se tornou popular com o filme O exterminador do futuro, de 1984. Talvez singularidades não precisem ocorrer num momento breve e dramático. Também representaram singularidades, mais estendidas no tempo, a conquista dos mares pelos europeus ou o avanço dos relógios, que permitiu a medição precisa do tempo. A opinião é dos pesquisadores Christopher Magee, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos EUA, e Tessaleno Devezas, da Universidade de Beira Interior, em Portugal. Essas transformações mudaram o curso da história e o alcance da imaginação humana. Como a internet móvel de 2025 mudará nossa vida?

O conceito de cidade inteligente está ligado a uma conectividade estável e imperceptível. Ruas, semáforos, termômetros e vitrines conversarão com nossos computadores pessoais, em nossas roupas e acessórios. Poderemos tomar decisões melhores e deixar de perder tempo com aquelas que hoje nos consomem – trabalhar de casa, ir de carro, pegar metrô ou alugar uma bicicleta? “O indivíduo trocará informações o tempo todo com objetos espalhados pela cidade”, afirma Assaf Biderman, diretor do centro de cidades digitais do MIT. “Isso produzirá um retrato instantâneo do que acontece numa metrópole, em tempo real. É a chave para tornar a vida mais eficiente e prazerosa.”

Também será mais difícil desfrutar períodos de desconexão. Talvez surja a versão digital da agorafobia, o medo de multidões e espaços abertos. O que ocorrerá com a “geração selfie”, já criticada pela falta de compostura e noção de privacidade? David Baker, consultor e professor da The School of Life de Londres, é um defensor da vida menos conectada. “A velocidade e a força do mundo digital ameaçam causar danos a habilidades humanas importantes, como as artes, a empatia e a reflexão”, afirma. “Também (ameaçam) prejudicar direitos humanos, como privacidade, autonomia e calma.” A ponderação é relevante. A melhor forma de lidar com esses problemas é começarmos a nos preparar para quando a internet se tornar imperceptível e onipresente. Para quando estar conectado passar a ser natural como caminhar. Talvez seja a primeira vez que nós, humanos, podemos filosofar com antecedência sobre algo tão revolucionário. Ou talvez estejamos apenas deixando de perceber o que realmente nos surpreenderá em 2025. Singularidades têm uma característica comum: quem passou por elas nunca percebeu a real dimensão das transformações ao redor.
 
A internet onipresente (Foto: Época)

O jornalista Bruno Ferrari viajou a convite da Huawei

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