sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Juros altos encarecem o Natal dos brasileiros

Elevação da Selic para 11,25% ao ano mantém escalada das taxas que pesam no bolso dos consumidores. No cheque especial, encargo chega a 183,8% ao ano e é o maior em 15 anos
Deco Bancillon - Correio Braziliense
Paulo Henrique Lobato
Publicação: 31/10/2014 06:00 Atualização: 31/10/2014 07:21

Liquidações para estimular as vendas em época de dinheiro caro
O brasileiro que está pensando em tomar crédito neste fim de ano pode começar a preparar o bolso. A retomada da alta de juros pelo Banco Central (BC), que anunciou na noite de quarta-feira mais uma elevação na Selic, para 11,25% ao ano, deverá pesar ainda mais no custo de empréstimos e financiamentos. A escalada dos juros, que já estão em patamar elevado, baterá pesado justamente quando o brasileiro mais precisará de dinheiro, durante as festividades de fim de ano, o que poderá prejudicar as vendas de Natal. Pior ainda se levar em conta que, a julgar pelo comunicado emitido pelo Copom na quarta-feira, a tendência é que hajam novas altas na taxa Selic, nas reuniões do órgão marcadas para dezembro e para janeiro de 2015..
O chefe do Departamento Econômico, Tulio Maciel, deixou claro que, daqui em diante, a situação para os tomadores de empréstimos será de um aperto ainda maior no bolso. “Nós esperamos moderação do crédito nos próximos meses”. Mais: Reforçou que a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar Selic em 0,25 ponto percentual tem como objetivo justamente reduzir a oferta de dinheiro em circulação e tornar os empréstimos mais caros, de modo a frear o consumo das famílias e, com isso, tentar reduzir a alta da inflação.
A consequência desse aperto será um fim de ano de vendas fracas no varejo, observou o economista-chefe da Boa Vista Serviços, Flávio Calife. “Na melhor das hipóteses, nós teremos um Natal morno, com crescimento pequeno sobre 2013”, assinalou. O sufoco será maior para os consumidores que, por não terem acesso a empréstimos mais baratos, como o consignado, acabam recorrendo a linhas emergenciais, que têm taxas mais caras.
É o caso do cheque especial. Em setembro, a alta dos juros nessa modalidade chegou a 10,5% ao mês. Em média, uma pessoa que recorreu a esse tipo de operação teve de arcar com uma taxa de 183,28% ao ano, de acordo com dados divulgados ontem pelo BC. É o maior patamar em 15 anos, só ficando atrás dos juros praticados pelos bancos em abril de 1999, quando a taxa média dessa linha de crédito era de 193,65% ao ano. Em um ano e meio, os juros do cheque especial subiram nada menos que 45,23 pontos percentuais. Saíram da mínima histórica, 138,05%, alcançada em maio de 2013, para o patamar atual de 183,28% ao ano. No mesmo período, a taxa Selic, considerada um parâmetro para todos os empréstimos praticados no país, avançou 13 vezes menos, de 8% ao ano para 11,25%, uma diferença de 3,25 pontos percentuais.
A alta dos juros do cheque especial é uma má notícia, sobretudo, para as pessoas que, em função do aperto na renda, passaram a ter que contar como nunca a esse tipo de recursos para fechar o orçamento doméstico. Os brasileiros devem nada menos que R$ 23 bilhões nessa linha de crédito. E a conta só cresce. Em setembro, enquanto a evolução média em todas as linhas às pessoas físicas foi de 0,5%, no cheque especial, essa alta foi quase cinco vezes maior, de 2,4%.
A situação é ainda mais delicada ao avaliar o comportamento recente dessa taxa. À medida que a inflação passou a engolir uma parte cada vez mais crescente da renda das famílias, a incidência de brasileiros que caíram no cheque especial só aumentou. No ano, o saldo dessas operações engordou 15,9%. No mesmo período, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o parâmetro oficial da carestia no país, acumulou alta de 4,61%, acima, portanto, do centro da meta de inflação, de 4,5% –que não é alcançado desde 2009.
Retrocesso Se os juros no cheque especial não param de subir, o mesmo não se pode dizer das taxas cobradas dos consumidores nas demais linhas de crédito com recursos livres, que estão em queda há dois meses consecutivos. Após atingirem o maior patamar da série histórica do BC em julho, quando chegaram a cravar 43,2% ao ano, as taxas recuaram para 42,8% em setembro, ainda em patamar elevado.
Nessa conta não estão incluídos, por exemplo, os financiamentos imobiliários, o crédito rural e as operações com crédito direcionado, feitas, sobretudo, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros bancos de fomento. Quando se considera todo o crédito disponível no país, os juros ainda estão estagnados, em torno de 21%.
Os especialistas acreditam que, após a retomada da alta da Selic, é provável que essa taxa volte a subir, tornando ainda mais caro o custo de financiamentos. É péssima notícia, sobretudo, para os empresários, que já reduziram os investimentos produtivos, em função do pessimismo com a retomada da economia e os custos mais elevados por causa da escalada da inflação.
Cautela Não por outro motivo, os especialistas recomendam moderação nos gastos neste fim de ano. “Essa sinalização de juros reforça essa cautela, porque o custo do dinheiro pode subir um pouquinho, e tornar ainda mais difícil sanear as dívidas já contraídas”, disse Nicola Tingas, economista-chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). Em vez do choque de juros, o economista defende uma maior eficácia do controle de gastos públicos, que tem o mesmo efeito sobre a inflação que um aperto monetário. “A economia já está muito debilitada. Então, seria melhor que se fizesse um pouco mais de fiscal para ajudar no combate à inflação”, emendou.
Consumidor adota cautela
Um dia depois de o Banco Central aumentar a Selic em 0,25 ponto percentual, a professora Alair Lobato fez um desabafo que todo o brasileiro está cansado de ouvir: “O juro no Brasil é alto demais”. Especialistas avaliam que a nova alta da taxa básica de juro só chegará ao bolso do consumidor em aproximadamente seis meses, mas entidades que representam o comércio de Belo Horizonte, setor que responde por mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB) da capital, avaliam que o impacto será grande no varejo. Isso porque boa parte das compras é feita em prestações, que ficarão mais caras com o aumento da Selic.
A solução, recomenda dona Alair, é juntar a renda e fazer compras à vista. Com o dinheiro em mãos, o consumidor poderá até barganhar um preço melhor. “Prefiro pagar de uma só vez para evitar juros”. Caso isso não seja possível, ela faz outra sugestão: “Pesquise muito, mas muito mesmo”. Para driblar os juros altos e atrair a clientela, lojistas apostam no visual das vitrines e nas promoções. Na Savassi, tradicional ponto comercial de BH, há loja oferecendo desconto de 50%.
“A alta da Selic causará um impacto negativo no comércio, pois o aumento interfere nas demais taxas, como as de instituições bancárias. Desse forma, o custo de se obter crédito encarece”, disse a economista Iracy Pimenta, da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH). A especialista acredita que a alta na Selic beneficia a aplicação financeira, como a caderneta de poupança, em detrimento á busca por crédito. “Para o consumidor, se torna mais interessante aplicar o dinheiro”. É o que fará a professora Alair: “Vou depositar o salário na poupança”.
Preços Para Gabriel Ivo, economista da Fecomércio-MG, o aumento na taxa básica de juro terá efeitos, aparentemente, contraditórios, mas com claros reflexos no desaquecimento do varejo. Para se ter ideia, o varejo pode até reduzir preços. Por outro lado, se isso ocorrer será uma medida contra a perda nas vendas. Certeza mesmo é que o aumento na taxa básica de juro retrai investimento privado no varejo, freando a abertura de vagas de trabalho e o crescimento, pelo menos em Belo Horizonte, de um setor que responde por mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB) da capital.
O economista explica o porquê: “O aumento no juro mostrou a preocupação do governo com a inflação. Fará com que as pessoas consumam menos, porque se o juro está maior, o consumidor irá canalizar (seu dinheiro) para a caderneta de poupança, por exemplo. Com isso, o consumo retrai. E se retrair haverá menos gente nas lojas. Se há menos gente, o empresário reduz o preço. Em contrapartida, o empresário deixa de investir, pois irá captar recurso mais alto. Portanto, para o consumidor é bom até certo ponto. O impacto para o consumidor, contudo, não é imediato. Demora uns seis meses”.

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