O início da atual epidemia de
ebola e das mortes mais de 4 mil pessoas por causa da doença pode ter se
dado em uma vila na Guiné, no leste da África, quando uma criança que
comeu morcegos.
A criança de
dois anos, apelidada de infante zero, vivia no vilarejo de Gueckedou,
uma região em que a carne deste animal é consumida frequentemente.
Sua
família deste paciente disse ter caçado duas espécies de morcego
conhecidas por hospedar o vírus. A criança morreu em dezembro de 2013.
Morcegos
não são os únicos animais menos convencionais que podem parar nas mesas
de famílias africanas: chimpanzés, ratos, cobras e até porco-espinhos
são mortos para um consumo.
Nem
sempre apenas a fome é levada em conta neste hábito. Trata-se de uma
prática popular, porque alguns tipos de animais são considerados uma
iguaria.
Estima-se que na Bacia do Congo, por exemplo, as pessoas comam cinco milhões de toneladas de carne de animais selvagem por ano.
O problema é que alguns desses animais podem transmitir sérias doenças, como no caso dos morcegos.
Os morcegos são hospedeiros ideais por oferecerem grande resistência ao vírus.
Por meio de suas fezes ou mesmo de algumas frutas que tocaram, eles podem infectar animais como chimpanzés e gorilas.
Milhões de toneladas
Mas ainda não se sabe exatamente como o ebola é transmitido de animais para humanos.
Segundo
Johnathan Ball, virologista da Universidade de Nottingham,
frequentemente há uma "espécie intermediária" no processo, apesar de
também haver evidências de que se possa pegar ebola diretamente de
morcegos.
"Mas é difícil para
o vírus saltar a barreira das espécies até os humanos. O vírus teria
que primeiramente ganhar acesso via sangue, contaminando células, para
se replicar".
A maioria dos
consumidores da carne de animais selvagens já compra o produto cozido ou
defumado. O risco é muito maior para quem manuseia o material cru.
Em Gana, país que ainda não foi afetado pelo ebola, mais de 100 mil morcegos são mortos anualmente.
Uma
recente enquete revelou que caçadores frequentemente tiveram contato
com o sangue dos animais e em alguns casos foram mordidos ou arranhandos
por eles.
A atual epidemia
de ebola mostra que, embora as chances de infecção sejam raras, elas são
possíveis. E sempre vale lembrar que a doença tem origem animal.
Apesar disso, a disseminação do vírus, do infante zero até agora, teria sido causada por contatos humanos.
Questão cultural
Autoridades sanitárias já tentaram lidar com o problema da contaminação pelo consumo de carne.
Na Libéria, um dos países mais afetados pela atual crise, a venda de carne de animais selvagens foi proibida.
Mas
há quem alegue que este tipo de decisão vá apenas forçar que a venda
deste tipo de carne ocorra num mercado negro. Sem falar na questão
cultural.
"Estamos falando de
uma sociedade em que há o sentimento de que você não se alimentou de
forma apropriada se não tiver comido carne. Não há grandes rebanhos que
possam servir como fonte alternativa", explica Marcus Rowcliffe, da
London Zoological Society.
No entanto, o noticiário das últimas semanas foi marcado por críticas diretas a este costume.
O jornal americano Washington Post questionou a prática abertamente, ao passo que a revista New Scientist pediu uma proibição também como forma de proteção à fauna.
"Sabemos
que houve uma contaminação de um morcego para uma criança na Guiné,
mas, desde então, esta epidemia teve transmissão de humano para humano.
As pessoas estão muito mais expostas por conviver com humanos do que por
comer morcegos", afirma a antropóloga Melissa Leach, da Universidade de
Sussex.
Ainda assim, os
especialistas, alertam para os riscos do contato com o animal e
acreditam que novos casos são apenas uma questão de tempo.
"É
inevitável que veremos novos casos de ebola ou outras doenças
transmissíveis por morcegos por causa das doenças que estes animais
abrigam. Os riscos podem ser baixos, mas as consequências seriam
graves", explica Rowcliffe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário