quinta-feira, 16 de outubro de 2014

A Petrobras fica atrás da Ambev em valor de mercado

Por que uma empresa eficiente como a Ambev faz bem para o país – enquanto a Petrobras, usada para fazer política, puxa o Brasil para baixo

JOSÉ FUCS
15/10/2014 07h00
Nos pregões da Bolsa de Valores, o julgamento dos investidores é implacável. As empresas mais eficientes, com foco nos resultados, que zelam pelos interesses dos acionistas, são premiadas. Suas ações despertam a cobiça, e as cotações sobem com consistência, de acordo com os princípios da lei da oferta e da procura. Em contrapartida, as companhias que não seguem os mandamentos da boa gestão costumam ser punidas sem piedade pelo mercado. Os investidores fogem de seus papéis, e os preços desabam.
No início do mês, em meio ao terremoto que atingiu a Bolsa de Valores de São Paulo – provocado pela reação negativa dos investidores à ascensão de Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais –, foi possível observar um retrato fiel dessa engrenagem, a partir do comportamento dos papéis de duas das principais empresas do país: a Petrobras, o mamute da área de petróleo controlado pelo governo e alvo frequente de denúncias; e a Ambev, resultado da fusão da Brahma e da Antarctica, uma das empresas privadas brasileiras mais bem-sucedidas na arena global. Embora tenha um faturamento bem menor que a Petrobras, a Ambev fechou o mês de setembro valendo mais que a Petrobras. O valor de mercado da Ambev – um indicador calculado com base nos preços e no volume de ações das empresas – chegou a R$ 251,4 bilhões. A Petrobras, tradicionalmente o primeiro lugar no pódio na Bolsa paulista, foi avaliada em R$ 229,7 bilhões  – R$ 21,7 bilhões a menos.
Símbolo do estatismo do governo, a Petrobras passou a ser vista com desconfiança pelos investidores
Vista com orgulho por muitos brasileiros e símbolo do nacionalismo e do estatismo que marcaram boa parte da história do país – e também os governos Lula e Dilma em tempos recentes –, a Petrobras passou a ser vista com desconfiança crescente nos últimos anos. Desde maio de 2008, quando seus papéis atingiram o pico histórico, as cotações caíram pela metade, apesar da descoberta dos novos poços do pré-sal, cujo potencial econômico é estimado na casa dos trilhões de reais. No mesmo período, as ações da Ambev, que só vende cervejas, refrigerantes e bebidas, quase triplicaram de valor (leia o gráfico abaixo). Só em setembro, os papéis da Petrobras caíram 22%, ante uma queda de 1,6% para a Ambev e de 11,7% em todo o Índice Bovespa, que reflete o desempenho médio das ações mais negociadas no mercado.
Considerando o peso descomunal da Petrobras na economia do país, essa situação pode parecer um paradoxo. Quando se analisam os números das duas empresas de perto, fica mais fácil entender por que o julgamento do mercado é tão rigoroso com a Petrobras e tão receptivo à Ambev. Apesar de a Petrobras ter lucrado R$ 10,4 bilhões no primeiro semestre de 2014, mais que o dobro que a Ambev, quando se compara esse lucro com o patrimônio líquido o resultado é decepcionante. No período de 12 meses encerrados em junho, o lucro da Petrobras correspondeu a apenas 5,8% de seu patrimônio líquido, bem abaixo da média das principais petrolíferas internacionais. No caso da Ambev, o lucro representou 32,1% do patrimônio líquido, quase o quíntuplo, em termos relativos.
Na lógica dos investidores – que também afeta os papéis de outras estatais, como Banco do Brasil e Eletrobras, além de empresas privadas que sofrem forte interferência do governo, como a Vale –, tais resultados refletem, mais que tudo, as diferentes filosofias de gestão implementadas na Petrobras e na Ambev. “A Ambev é uma empresa completamente voltada para a geração de valor aos acionistas, enquanto a Petrobras é administrada para servir aos interesses do governo”, afirma Rafael Rodrigues, diretor de renda variável da Rio Bravo, empresa de investimentos ligada ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco.

O CÉU E O INFERNO Os presidentes  da Ambev, João  Castro Neves, e  da Petrobras, Graça Foster. Filosofias diferentes de gestão afetam os preços das ações (Foto: Leticia Moreira/Ed. Globo e Julio Bittencourt/Valor/Folhapress)
Na Ambev, a busca por melhores resultados e pelo aumento de produtividade está impregnada no dia a dia da companhia. Seus principais acionistas são os empresários Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles. Eles também controlam as Lojas Americanas e, no exterior, a rede de fast-food Burger King e o grupo Inbev, dono das marcas Budweiser e Stella Artois. A meritocracia faz parte da cultura de todas essas empresas. O atual presidente da Ambev, João Castro Neves, não assumiu o comando por ter padrinhos políticos influentes, como acontece em muitas estatais. Teve de trabalhar duro para chegar lá. Quando a Ambev precisa subir os preços dos refrigerantes e da cerveja, para cobrir o aumento de custos, ele não hesita em fazê-lo. Caso contrário, comprometeria a saúde financeira da companhia. O compromisso de Castro Neves é com a remuneração adequada dos acionistas e com o desenvolvimento sustentável do negócio.
Ao incrementar seus resultados, a Ambev gera recursos para fazer os investimentos necessários a seu crescimento e a sua modernização. Desde 2010, foram cerca de R$ 10 bilhões em investimentos, um valor significativo, mesmo se comparado a empresas de países ricos. A Ambev contribui para o desenvolvimento do país, com a abertura de novas fábricas, o aumento da competitividade e a geração de novos empregos diretos e indiretos, mesmo sem ter reserva de mercado para garantir seu espaço nas gôndolas dos supermercados. Graças a essa atuação, ela se tornou uma das principais multinacionais brasileiras nos últimos anos.
Na Petrobras, a filosofia é outra. Desde o governo Lula, a empresa, cuja gestão se profissionalizara nos anos 1990, voltou a sofrer interferência política em suas decisões. Frequentemente, é usada como instrumento de política econômica do governo. O maior exemplo disso são os preços dos combustíveis, mantidos artificialmente em patamares inferiores aos praticados no mercado internacional. O objetivo é manter a inflação sob controle, ainda que de forma artificial, e a popularidade do governo. Com os preços desatualizados dos combustíveis, o caixa da Petrobras míngua, a empresa se endivida dramaticamente e perde capacidade de investimento, numa ocasião em que precisaria investir pesado na exploração do pré-sal.
Em vez de comprar os equipamentos com os menores preços e a melhor qualidade disponíveis no mercado, a Petrobras é obrigada a fazer suas compras de fornecedores que os produzam com, no mínimo, 60% de conteúdo nacional. Com isso, o governo pretende estimular a indústria brasileira. Só que a Petrobras acaba pagando mais pelos mesmos produtos. Alguns são de qualidade inferior, como as sondas petrolíferas vendidas por estaleiros nacionais. Esses estaleiros não tinham habilitação para produzi-las, ao receber as primeiras encomendas, e tiveram de se adaptar às pressas para suprir a demanda.
Depois que o presidente Lula declarou que o Brasil atingira a autossuficiência em petróleo – algo que, a rigor, não aconteceu até hoje –, a produção caiu, em vez de aumentar. Só em agosto deste ano, quando atingiu 2,1 milhões de barris de óleo por dia, a produção da Petrobras voltou ao nível praticado em dezembro de 2010, segundo dados da própria Petrobras. Como o consumo de gasolina no Brasil cresce sem parar, em virtude dos estímulos oficiais à indústria automobilística, a Petrobras não consegue atender à demanda e precisa importar gasolina, a preço mais caro que o praticado aqui, com resultados dramáticos para seu balanço. Só no segundo trimestre deste ano, a empresa teve um prejuízo de R$ 3,9 bilhões na área de abastecimento, 55% a mais que no mesmo período de 2013. A atual presidente da empresa, Graça Foster, promete melhorar a gestão da Petrobras. Mas os analistas veem com ceticismo eventuais mudanças de rumo, caso a presidente Dilma consiga se reeleger. “Tenho imensa responsabilidade não apenas com os acionistas da Petrobras, mas com meu país”, diz Graça.
Não é de estranhar que os investidores deem preferência aos papéis da Ambev, em detrimento da Petrobras. A interferência política na empresa, em vez de ajudar o Brasil, provoca o efeito contrário. Aumenta a ineficiência, reduz o valor da companhia e puxa para baixo o mercado acionário. A Ambev, cujo foco é ser eficiente e remunerar o acionista, faz um bem enorme para o Brasil. Justamente por causa disso.

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