Num ônibus antigo e sem conforto, passageiros enfrentam 100 quilômetros em uma estrada de terra
Publicação: 28/09/2014 06:00 Atualização: 28/09/2014 07:18
Mateus Parreiras
Enviado Especial - Estado de Minas
Salto da Divisa
– A imagem do ônibus antigo, de pintura encardida de poeira, bancos
desbotados, com pedaços do acabamento se desprendendo do piso e dos
encostos das janelas, invoca a sensação de que o desconforto das 14
horas de viagem entre Belo Horizonte e Almenara era só o começo. Para
encarar os 100 quilômetros restantes, até Salto da Divisa, as malas dos
passageiros são levadas do ônibus executivo para esse modelo mais antigo
e resistente. Segundo os motoristas, as suspensões modernas, de bolsas
de ar, não resistem aos buracos e à poeira, necessitando de um sistema
de molas de metal.
Saiba mais...
Em meio ao desconforto e solavancos, repórter viaja 16 horas de BH a Salto da Divisa
Excesso de bagagem e medo são companheiros de viagem na BR- 381
Logo na saída, o calor intenso, de cerca de
36 graus, obriga os passageiros a abrir todas as janelas do ônibus e
até os dois alçapões do teto. Com isso, a ventania da viagem faz as
cortinas tremularem bruscamente, num ruído forte e contínuo, acompanhada
pelo bater de peças e das janelas causado pela trepidação. Ao sair da
cidade e entrar novamente na BR-367, a paisagem começa a mudar para
cenas típicas do interior pobre do Vale do Jequitinhonha. Do lado
esquerdo, a estrada esburacada acompanha o rio que dá nome à região e
suas águas barrentas, muito rasas por causa da seca. Do lado direito
aparecem pastos secos salpicados pelo gado branco que se alimenta.
Manchas negras de queimadas intercalam a vegetação e os casebres feitos
de pau a pique e de telhas rústicas de barro de coxa – assim chamadas
por serem confeccionadas usando as pernas como forma. Em alguns
vilarejos ainda se veem vendas de beira de estrada expondo em varas
grandes pedaços de carne seca coberta de mosquitos e da poeira da
estrada.Um dos motoristas que faz o trajeto, Anagildo de
Oliveira, de 52 anos, conta que os buracos no asfalto e as outras
irregularidades do pavimento não são o maior perigo que os passageiros
correm nesse trajeto. “Às vezes, quem está nas poltronas não vê, mas a
gente passa por muitas situações que poderiam acabar num acidente”,
afirma. Em oito anos fazendo o trecho, ele conta que é comum encontrar
animais soltos na pista, pastando o mato dos acostamentos e atravessando
de um lado para o outro da pista. “A gente precisa reduzir e sinaliza
para os outros motoristas. Já aconteceu de um dos bichos desembestar e
eu ter de desviar. Mas, com tanto solavanco, o passageiro mal percebe a
manobra mais brusca”, conta.
Acidentes também são frequentes,
principalmente devido à estrada ser estreita e ainda cruzar córregos e
rios secos nesse período, por três pontes de madeira que permitem a
passagem de um veículo por vez. “Já ajudei muita gente que se acidentou.
Não me sai da cabeça um casal que bateu num caminhão. A passageira
morreu e nós ajudamos o motorista, sinalizamos a estrada, mas foi só o
que pudemos fazer”, lamenta.
Cada caminhão que passa pela parte de
terra da estrada lança nuvens de poeira para dentro do ônibus. Os olhos
dos passageiros ardem. Muita gente tosse sem parar. Mas ninguém se
arrisca a fechar as janelas, já que mesmo com a ventania o calor ainda é
muito forte. Ao final da jornada, ao descer na rodoviária de Salto da
Divisa, o suor e a poeira vermelha se transformam em manchas de barro
nas roupas das pessoas.
LIGAÇÃO COM A BAHIA A rodoviária antiga recebe poucas pessoas, muitas delas indo a Eunápolis, na Bahia, onde se compram os carros que circulam na cidade e se resolve a maioria dos negócios. Referências à Bahia não faltam, já que vários comércios têm o nome do estado vizinho e quase todos têm celulares com chips dos dois estados, para conseguir falar em mais partes da região. O nome Salto da Divisa foi dado por causa de cachoeiras que existiam num cânion do Rio Jequitinhonha e que desapareceram em 1999, depois da construção da Usina de Itapebi, na Bahia.
A empresa São
Geraldo/Gontijo, proprietária da linha, afirma que atualiza em 20% sua
frota a cada ano, permitindo uma renovação total dos veículos a cada
cinco anos. A prioridade na substituição seria dos veículos mais
antigos. Quanto às condições da estrada, a empresa aponta ser um dos
principais problemas enfrentados, obrigando a mais manutenções nos
veículos, além das duas revisões regulares pelas quais cada ônibus
passa. Quanto ao custo da passagem ser maior que a aérea, a assessoria
de imprensa informa que isso ocorre por conta de uma política de
subsídios ao combustível de aviões, em detrimento do usado no transporte
rodoviário.
Outros tempos
Dois ônibus e um queixo-duro
Dois ônibus e um queixo-duro
Arnaldo Viana
Há
25, 30 anos, essa viagem era mais longa, não na quilometragem, mas no
tempo. Gastavam-se 26 horas de Belo Horizonte a Salto da Divisa ou a
Santa Maria do Salto, em três ônibus. A jornada começava em um coletivo
mais ou menos confortável, que saía da capital às 7h. Pegava a BR-381 e
depois a 116 (Rio Bahia). Uma parada aqui, outra acolá, a primeira
baldeação, em Teófilo Otoni, às 16h. Um ônibus de categoria inferior,
bem rodado. Mais BR-116 até Itaobim. Em seguida, a BR-267, para chegar a
Almenara às 21h. Era preciso achar uma pensão e pernoitar. Dia
seguinte, às 6h, um ônibus sem conforto e nenhum molejo, fazia o resto
do trajeto, sacolejando pela estrada de terra. Entre as 9h e as 10h o
viajante chegava ao Salto ou a Santa Maria moído e empoeirado. Pelo
menos, a vista era melhor. O Rio Jequitinhonha ainda tinha água e havia
aqui e ali resquícios da extinta mata atlântica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário