Disfarçados de portuários, quatro agentes da Abin - o serviço secreto do governo - foram presos sob suspeita de bisbilhotar a vida do governador Eduardo Campos, pré-candidato à Presidência da República
Hugo Marques e Rodrigo Rangel - Veja
Dilma Rousseff e Eduardo Campos: Abin em ação para coletar
informações que pudessem ser utilizadas contra a campanha presidencial
do governador de Pernambuco
(ABR/Hans Von Mante Uffel/VEJA)
É colossal o esforço do governo para impedir que decolem as
candidaturas presidenciais do governador de Pernambuco, Eduardo Campos
(PSB), e da ex-senadora Marina Silva (sem partido). Nos últimos meses, a
presidente Dilma Rousseff reacomodou no ministério caciques partidários
que ela havia demitido após denúncias de corrupção, loteou cargos de
peso entre legendas desgarradas da base aliada e pressionou governadores
do próprio PSB a minar os planos de Campos. Sob a orientação do
ex-presidente Lula, Dilma trabalha para montar a maior coligação
eleitoral da história e, assim, impedir que eventuais rivais tenham com
quem se aliar. A maior parte dessa estratégia é posta em prática à luz
do dia, como a volta dos “faxinados” PR e PDT à Esplanada, mas há também
uma face clandestina na ofensiva governista, com direito a espionagem
perpetrada por agentes do estado. Um dos alvos dessa ação foi justamente
Eduardo Campos, considerado pelo PT um estorvo à reeleição de Dilma
pela capacidade de dividir com ela os votos dos eleitores do Nordeste,
região que foi fundamental para assegurar a vitória da presidente em
2010.
O Porto de Suape, no Recife, carro-chefe do processo de
industrialização de Pernambuco, serviu de arena para o até agora mais
arrojado movimento envolvendo essa disputa pré-eleitoral. No dia 11 de
abril, a Polícia Militar deteve quatro espiões da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) que fingiam trabalhar no local, mas há semanas se
dedicavam a colher informações que pudessem ser usadas contra Campos. A
Secretaria de Segurança Pública estadual já monitorava os agentes
travestidos de portuários fazia algum tempo. Disfarçados, eles estavam
no estacionamento do porto quando foram abordados por seguranças.
Apresentaram documentos de identidade falsos e se disseram operários.
Acionada logo depois, a PM entrou em cena. Diante dos policiais, os
espiões admitiram que eram agentes da Abin, que estavam cumprindo uma
missão sigilosa e pediram que não fossem feitos registros oficiais da
detenção. O incidente foi documentado em um relatório de uma página,
numa folha de papel sem timbre, arquivada no Gabinete Militar do
governador. Contrariado com a espionagem, Eduardo Campos ligou para o
chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da
República, general José Elito Siqueira, a quem o serviço secreto do
governo está subordinado.
Em uma reunião com aliados do PPS, o governador contou que o general
garantiu que não houve espionagem de cunho político, ou de viés
eleitoral, mas apenas um trabalho rotineiro. “Nós fazemos apenas
monitoramento de cenários para a presidenta”, ponderou o chefe do GSI.
Apesar da gravidade do incidente, o caso foi dado como encerrado pelos
dois lados. Poucas pessoas souberam da história. A elas, Campos explicou
que não queria tornar público o episódio para não “atritar” ainda mais a
relação com o Palácio do Planalto nem causar um rompimento entre as
partes. Mas houve desdobramentos. “Tive de prender quatro agentes da
Abin que estavam me monitorando”, revelou Eduardo Campos. E ainda
desabafou: “Isso é coisa de quem não gosta de democracia, de um governo
policialesco”. Pediu aos aliados que o assunto fosse mantido em segredo.
“Não tenho nada a dizer sobre isso”, desculpou-se na semana passada o
deputado Roberto Freire, presidente da legenda, que estava presente à
reunião.
Os agentes detidos no Porto de Suape trabalham na superintendência da
Abin em Pernambuco. São eles: Mário Ricardo Dias de Santana, Nilton de
Oliveira Cunha Junior, Renato Carvalho Raposo de Melo e Edmilson
Monteiro da Silva. No dia da detenção, usavam um Pálio (JCG-1781) e um
Peugeot (KHI-1941). A placa do Pálio é fria, não existe. Já a do Peugeot
é registrada em nome da própria Abin. Na semana passada, o agente
sênior Mário Santana se aposentou. Nilton Junior e Renato de Melo davam
expediente normalmente na superintendência. Já Edmilson Silva, na
quinta-feira, estava escalado para o plantão noturno. Nada mais natural.
Edmilson Silva tem uma dupla jornada de trabalho. Além de espião, é
vereador, eleito pelo PV, no município de Jaboatão dos Guararapes. Vive,
portanto, uma situação curiosa. Durante o dia, como vereador, é um
defensor das liberdades. Às escuras, como araponga, une-se aos colegas
de repartição para violá-las. “Fui ao Porto de Suape algumas vezes
apenas para visitar amigos”, disse a VEJA o agente-vereador. “Mas nunca
fui detido ou preso, nunca usei documentos falsos, não há nenhum
registro sobre isso.” Funcionário da Abin há trinta anos, Edmilson
garante que hoje não existe mais nenhum tipo de ação de monitoramento
contra cidadãos ou governantes.
As declarações do agente não encontram sintonia nem com as
manifestações dos próprios superiores. No dia 4 de abril, uma semana
antes das detenções realizadas pela polícia, o jornal O Estado de S.
Paulo revelou que, a mando do GSI, a Abin montara uma operação para
monitorar a movimentação sindical no Porto de Suape. Àquela altura, a
presidente Dilma e o governador de Pernambuco estavam em lados opostos
na discussão sobre a MP dos Portos. Campos fazia ressalvas públicas ao
texto e recebia em audiências setores do sindicalismo que também eram
contrários a posições defendidas pelo Planalto. A operação de
monitoramento no porto foi classificada pelo GSI como “gerenciamento de
risco” e tinha como objetivo medir a possibilidade de realização de uma
greve em Suape e nos demais portos do país. Flagrado em plena ação, o
GSI primeiro negou o monitoramento. O general José Elito chegou a tachar
de mentirosa a reportagem. O jornal, então, publicou um documento
sigiloso que confirmava o monitoramento da Abin sobre os portuários e os
sindicatos contrários à MP dos Portos. Restou ao general reconhecer a
própria mentira e admitir o óbvio: “A gente monitora tudo, assuntos que
possam ser de interesse do país. Tudo o que a gente faz é para
assessorar a senhora presidenta e os órgãos de governo para decisões
oportunas”.
Desmentido pelos fatos, o general acrescentou que a ação foi amparada
pela lei que criou o Sistema Brasileiro de Inteligência e refletia a
preocupação do governo com possíveis greves de portuários. “Não foi um
monitoramento de movimento A ou B, mas de cenário.” As declarações de
Elito foram dadas seis dias depois da detenção dos quatro agentes da
Abin. Nas conversas com auxiliares e políticos, Campos deixou claro que
tinha sido vítima de uma bisbilhotagem política. Ele seria o alvo. A
escolha de Suape não foi à toa. Antes da construção do porto, a economia
pernambucana era meramente sucroalcooleira. Com o novo polo, fruto dos
investimentos e da ajuda federal decorrentes da ótima relação que o
governador mantinha com o então presidente Lula, Pernambuco se
modernizou. Diferentes indústrias saíram do papel, como a naval, e uma
rede de infraestrutura foi montada. “Tudo em Pernambuco é feito em
função de Suape. Viadutos, ferrovias, tudo. A vocação industrial do
estado apareceu graças ao porto”, diz um ex-ministro do governo Lula. Os
grandes investimentos, portanto, passam por lá -- assim como as grandes
empresas e os financiadores de campanha.
Mais que portuários insurgentes, os agentes da Abin pretendiam mapear
eventuais relações espúrias entre Campos e o setor privado. Os agentes
detidos faziam perguntas específicas sobre o governador. “No porto,
atuam grandes financiadores de campanha e, mais importante, grandes
corretores de contribuições eleitorais”, diz um parlamentar de
Pernambuco. Não se sabe se esse era exatamente o objetivo dos espiões.
Campos já havia manifestado contrariedade à força desproporcional usada
pelo PT para inviabilizar sua candidatura, mas ainda considerava tais
gestos parte do jogo. A entrada em cena da Abin, que já foi usada em
outras ocasiões com objetivos meramente políticos, mudou um pouco o
ânimo do governador. Procurado na semana passada, Eduardo Campos não
quis comentar o caso. “Perguntem ao GSI”, limitou-se a dizer. O Gabinete
de Segurança Institucional informou que “todos os esclarecimentos”
sobre a ação dos agentes em Pernambuco já foram dados e que eles não
“realizaram nenhuma operação para monitorar o movimento sindical”. Sobre
a prisão dos espiões, o GSI silenciou. A Abin é um órgão de
assessoramento exclusivo do presidente da República. A assessoria de
Dilma Rousseff, porém, afirmou que a presidente não foi informada nem da
missão portuária dos espiões nem das prisões que se sucederam. Até a
última sexta-feira, o general José Elito continuava firme no cargo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário