sábado, 19 de julho de 2014

Consultas, exames e medicamentos sobem quase o dobro da inflação

Altas fazem pressão sobre o orçamento das famílias. Profissionais culpam custos como aluguel e inovação tecnológica

Rodolfo Costa - Correio Braziliense
Pedro Rocha Franco

Publicação: 19/07/2014 06:00 Atualização: 19/07/2014 07:52

Apesar da comemoração do governo de que os preços dos alimentos estão em queda, o orçamento das famílias não sente qualquer alívio. Dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a carestia está disseminada, sobretudo quando se trata de serviços e produtos básicos da área de saúde. Na maior parte dos casos, os reajustes representam quase o dobro da inflação. Nos 12 meses terminados em junho, as consultas médicas ficaram, em média, 10,91% mais caras, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) cravou, no mesmo período, 6,52%
Os profissionais da saúde não poupam ninguém. Os dentistas, por exemplo, aumentaram as tabelas em 8,69% nos últimos 12 meses. No caso dos psicólogos, o valor das consultas subiu 9,04%. Já os terapeutas passaram a cobrar 8,32% a mais da clientela. Os que precisaram recorrer a exames laboratoriais ou hospitalares viram a fatura crescer, na média, 7,15%.
"Sinceramente, os preços estão assustadores", diz a esteticista Maria Elena Pinto, 43 anos. "Não há escapatória. No supermercados, nas lojas, nos consultórios médicos. Tudo subiu sem que a renda dos trabalhadores acompanhasse", ressalta. A esteticista não tem plano de saúde. Por isso, é obrigada a pagar por todas as consultas e exames dela e dos filhos. Mas, mesmo que tivesse, não

ficaria livre da carestia. Os convênios coletivos, que não são controlados pela Agência de Saúde Suplementar (ANS), vêm registrando reajustes médios de 20% nas datas de vencimento. Já os planos individuais, regulamentados pelo governo, foram aumentados em 9,65% no mês passado. "Por isso, eu digo: não há saída. Os consumidores, que são o elo mais fraco da cadeia, que se virem para arcar com os reajustes", frisa.
Maria conta que gasta cerca de R$ 1 mil por mês com consultas e exames para ela e os três filhos, que precisam ir constantemente ao médico, devido a problemas alérgicos. "Não são raras as vezes em que eles vão de 15 em 15 dias ao médico", afirma. Para não comprometer a renda familiar, ela reveza entre hospitais públicos e privados. "Como o acesso à saúde pública também não é fácil, então tento intercalar, agendando as consultas sempre com antecedência nas duas redes", explica.
Além da estratégia usada pela esteticista, o educador financeiro Reinaldo Domingos aconselha que hábitos do dia a dia também devem ser levados em consideração em casos de enfermidades. "É ideal ter indicações e pesquisar preços de consultas ou até mesmo cirurgias entre os médicos. Também é importante procurar saber sempre o custo de cirurgias. Mesmo o preço de um exame deve ser consultado em mais de um laboratório", avalia. Ele também aconselha que os consumidores poupem parte do salário para emergências médicas. Outra solução é recorrer a sindicatos ou associações. "Alguns sindicatos trabalham com convênios que podem ofertar valores acessíveis", acrescenta.
Mesmo com planos de saúde, a falta de cobertura em alguns determinados serviços obrigam consumidores a tirarem dinheiro do próprio bolso para pagamentos particulares. Apesar de ser associada ao plano do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Ipsemg), a professora Terezinha Aparecida Gonçalves diz preferir muitas vezes recorrer ao atendimento privado para ser atendida em prazos mais curtos. “Prefiro pagar por fora porque no plano demora muito”, afirma. E confirma o aumento de preços: a consulta ao endocrinologista, que, no ano passado, custava R$ 380 subiu para R$ 480. “O aumento é claro”, diz ela.
Demanda alta
O crescente aumento na demanda é apontado como um dos principais motivos do crescimento da inflação na saúde. A Gerente do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) Irene Machado, lembra que, de uma maneira geral, desde o ano passado, os serviços vêm pressionando a escalada inflacionária. "A melhoria de renda tem influenciado no aumento da procura, e, na saúde não é diferente", afirma. Ela ressalta que os profissionais da área também têm sido impactados com aumentos de outros custos, como aluguel, energia elétrica e telefonia. Apesar de afirmar não ser possível prever novas elevações dos preços na saúde, ela acredita que possa ser difícil os valores caírem. "Diferente de alimentos, uma vez que os valores dos serviços sobem, dificilmente voltam a descer", diz.
Diabética, a dona de casa Íris Eduardo não tem plano de saúde devido ao alto preço para o seu perfil de cliente. Com isso, é obrigada a visitar médicos particulares para consultar periódicas. Nutricionista, endocrinologista etc. A lista de especialistas é extensa. No mês passado, ela pagou R$ 150 por uma consulta ao endocrinologista que custava R$ 120 no ano passado. “O preço é um absurdo. Mas não dá para ir para a rede pública”, diz ela, que, com suspeita de glaucoma espera há meses pelo retorno ao médico do SUS para saber se terá que operar.
Custos
Márcio Fortini, diretor de defesa profissional na Associação Médica de Minas Gerais (AMMG), diz que as despesas vêem sufocando os consultórios. Ele também cita os gastos médicos com condomínio, internet e taxas pagas a sindicatos, associações e prefeitura. “Além disso existe o investimento profissional em livros e cursos de atualização e muitos consultórios investem em atualização da tecnologia e manutenção de equipamentos, que também têm custo acima da inflação”, justifica. Márcio Fortini diz que 90% da receita médica vem dos planos de saúde e que, nesse caso, o reajuste repassado aos médicos foi inferior a 10%. “Para muitos procedimentos médicos, o reajuste por parte dos convênios nem existiu.”
O grupo Saúde e Cuidados Pessoais responde por 11,28 pontos percentuais da inflação, sendo o quarto da lista, atrás apenas de Alimentação e Bebidas, Transportes e Habitação. Na avaliação do professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Piscitelli, a tendência é que esses números mantenham uma linha de crescimento. "O desenvolvimento da tecnologia no setor de saúde tornou os tratamentos mais completos e abrangentes. Planos de saúde e hospitais passaram a incorporar novos tipos de exames, o que encarece os procedimentos. É possível que esse grupo da saúde responda por até 14% do IPCA em poucos anos", diz. (Colaborou Marinella Castro)
Novos e mais caros
Representantes do setor de Saúde recorrem à abrangência dos serviços para explicar os preços majorados. “A medicina não é excludente, pelo contrário. Um determinado método de diagnóstico não inibe outro método. São diversos fatores que podem contribuir para o aumento da inflação”, pondera Emílio Cesar Zilli, diretor de Defesa Profissional da Associação Médica Brasileira (AMB). “Quando se fala em preço da saúde, é preciso saber que há todo um trabalho de técnicos, médicos e paramédicos, que envolve instrumentos, hospitais e os próprios diagnósticos. Cada um tem um peso específico dentro do resultado final”, emenda.
O consultor científico do Instituto Pedro Martinelli Pró-Odontologia, Rodrigo Bueno de Moraes, reclama da falta de incentivos fiscais para a área. "Há desonerações nos setores de automóveis, para a linha branca, mas não para que o trabalhador da saúde exerça o seu trabalho", afirma. Ele também ressalta os altos gastos com equipamentos, que podem chegar até R$ 90 mil. "E isso não significa garantia de retorno."
Medicamentos
Não foram só os serviços que ficaram mais salgados. No primeiro semestre deste ano, os medicamentos subiram 4,15%, em média. O aumento de custos para as empresas têm impactado mais o bolso do consumidor. "Somente neste ano, o reajuste médio autorizado pelo governo para medicamentos listados foi de, 3,5%. A folha de pagamento também exerce pressão. Reajustes salariais vem sempre em torno de 1,5% acima da inflação", afirma o Diretor Executivo da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (ABCFarma), Renato Tamarozzi. "Esses percentuais, somados à própria questão econômica do país e o impacto do dólar, faz os produtos chegarem mais caros aos varejistas, que cortam os descontos ao consumidor."
O aposentado Luiz Graziato, 63 anos, não poupa críticas aos preços pagos pelos medicamentos. "Sei que os impostos são muito altos, o que é um absurdo", lamenta. Por mês, ele avalia gastar em torno de R$ 500 com produtos farmacêuticos, de controle de colesterol e reposição hormonal. “Fico preocupado porque, com o passar da idade, vou usar cada vez mais meu orçamento para custear a saúde", pondera. (RC)


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