Escuta
Guardião desafia a tecnologia
PUBLICADO EM 21/04/14 - 03h00
A todo momento chega ao mercado um novo
aplicativo de conversas e trocas de mensagens e dados online via
celular. Mesmo sem saber, a cada lançamento, os programadores começam a
travar uma disputa de inteligência com o mais temido sistema de
monitoramento em tempo real de comunicação do Brasil. Invisível, o
poderoso Guardião é temido pelos criminosos e já foi responsável pela
queda de muitos políticos.
As novas invenções acionam automaticamente
um contra-ataque que envolve técnicos e estrategistas da corporação e da
Dígitro – empresa criadora do software que, ao contrário do que muitos
pensam, é terceirizado. Os aplicativos presentes em quase todos os
smartphones, como WhatsApp e Skype, têm sido utilizados por políticos e
criminosos numa tentativa de driblar o Guardião – utilizado pela PF,
polícias civis e Ministério Público de quase todos os Estados.
A última grande operação da PF, a Lava Jato,
que flagrou o deputado federal André Vargas (PT) em conversas
comprometedoras com o doleiro Alberto Yousef, revelou que alguns
suspeitos de integrar o esquema de lavagem e evasão de divisas evitavam
fazer ligações e utilizavam mensagens de Whatsapp e Skype numa tentativa
de não serem flagrados. Tanto que parte das escutas só foi registrada
com a colaboração da BlackBerry (BBM), que deu o caminho das pedras para
desvendar suas mensagens criptografadas. Os aparelhos BBM têm uma
sistema de segurança mais refinado que os demais.
Nos bastidores da política, a informação é
que alguns homens públicos, além de criminosos estão baixando o
aplicativo Wickr para se comunicar. A ferramenta foi criada por
ex-militares americanos e tem criptografia especial, o que impediria as
mensagens de serem gravadas em qualquer servidor. Com isso, seria
impossível recuperar a troca de informações.
Secreto. Por
questões de segurança, a PF e a Dígitro não comentam o alcance do
sistema ou dão qualquer outra informação sobre ele. Mas o diretor de
Desenvolvimento da empresa, Guilherme de Assis Brasil, garante que a
busca por soluções segue a mesma velocidade que a criação de novos
aplicativos. “A empresa mantém um corpo de engenheiros e tecnólogos
qualificados, de forma a atualizar e adequar o Guardião para atuar com
eficácia no registro de comunicações feitas por meio de novas
tecnologias. Afinal, isto é a essência de empresas que lidam com esse
mundo de assombrosa velocidade com a qual novas tecnologias se
apresentam ao mercado”, afirma Brasil.
Temido. O
empenho em passar desapercebido pelas escutas tem justificativa. O
Guardião é o sistema mais moderno do país. Apesar de ser usado há mais
de dez anos, é constantemente modernizado. Com uma autorização judicial,
a polícia é capaz de ter acesso a ligações, mensagens de texto e
e-mails.
Protógenes Queiroz, ex-delegado da PF, que
comandou a maior operação do órgão, Satiagraha, explica a relevância do
imediatismo do software. “Se o acompanhamento é online, sabemos dos
planos de um encontro, da entrega de um dinheiro. Assim, conseguimos ir
no local para fazer fotos e vídeos a partir dos áudios”, comenta o atual
deputado federal.
Bastidores de uma operação
Foi com a ajuda do Guardião que o ex-chefe de Inteligência da PF e hoje
deputado federal Protógenes Queiroz (PCdoB) comandou a maior e mais
polêmica operação já realizada pela corporação: a Satiagraha. Em 2008,
ele prendeu Daniel Dantas, do Opportunity, o ex-prefeito de São Paulo
Celso Pitta e o empresário Naji Nahas por desvio de verba pública. Pouco
depois, foi expulso da PF, que o acusou de agir de forma política. Em
2011, o inquérito que resultou na condenação de 13 envolvidos foi
anulado pelo Supremo Tribunal Federal por ter obtido provas com a ajuda
de membros da Agência Brasileira de Inteligência, sem autorização legal.
As condenações foram para o lixo. Nesta semana, ele lançou em Belo
Horizonte o livro “Operação Satiagraha”, em que narra em primeira pessoa
os bastidores da operação. “Foi graças ao Guardião que conseguimos
localizar e apreender R$ 1 milhão na casa de um suspeito que financiaria
propina.”
O mito de um software milionário
Não passa de lenda, segundo a PF, a crença de que o Guardião é uma
espécie de vírus e que quando uma pessoa que não está sendo investigada é
flagrada conversando com o dono de um número que teve o sigilo quebrado
é automaticamente grampeada. No Brasil, a superintendência de cada
Estado compra o seu Guardião de forma personalizada. Um pacote para
monitorar 300 números simultaneamente não sai por menos de
R$ 1 milhão e pode passar do triplo, dependendo dos recursos
solicitados e do número de telefones monitorados. Só órgãos de segurança
pública podem comprar o software terceirizado que é atualizado a partir
da demanda da polícia. Durante a Operação Monte Carlo, em 2012, a PF
investigou se o contraventor Carlinhos Cachoeira tinha acesso a um
Guardião, pois foram encontradas gravações em sua casa. Nada ficou
provado.
MP de Minas também tem o seu
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) confirmou à reportagem que
também comprou o seu Guardião. No Estado, o aparelho foi fundamental em
diversas operações recentes. Entre elas, a Laranja com Pequi, que
identificou uma quadrilha envolvendo prefeitos e empresários que
fraudavam licitações na merenda escolar, em Montes Claros, no Norte do
Estado. Um dos principais alvos foi a Stillus Alimentação. Os áudios
mostravam Alvimar de Oliveira Costa, o Alvimar Perrella, ex-presidente
do Cruzeiro, em conversas suspeitas combinando preços com os
concorrentes. No ano passado, a Operação Violência Invisível flagrou
irregularidades a partir de fraudes em processos licitatórios destinados
à aquisição de créditos escriturários. Por questão de segurança, o MPMG
não revela detalhes de quantas pessoas estão sendo monitoradas
atualmente ou quantas já foram pegas por ele.
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