* José Luiz Barbosa
O título configura de imediato um
absurdo, Quem cometeu uma transgressão disciplinar (infração
administrativa de baixíssimo potencial ofensivo), e por isto tem
cerceado seu direito de ir e vir e privada sua liberdade, aparece como o
avesso do cidadão, do homem livre e honesto, ainda que muitos direitos
lhe sejam reconhecidos por força de lei e regulamentos, tornando-o a par
da interpretação benigna, um subcidadão ou o último dos cidadãos,
jamais o modelo desses.
Daí a indignação cívica diante de
pessoas e entidades que ainda propugnam pelo cumprimento de castigo
privativo da liberdade pelo cometimento de transgressões a normas
disciplinares/administrativas, em flagrante desrespeito ao habeas logos
do cidadão Policial e Bombeiro Militar, traduzindo-se no direito à sua
razão de ser, á palavra única, que define a cada um como um todo moral,
pessoal, singular, irreproduzível e inestimável.
Constata-se também que aí fracassou,
lamentavelmente, o sistema punitivo disciplinar, e a pena de prisão
disciplinar, que tantos males e degradação provoca à cidadania, além de
afrontar princípios constitucionais, avilta e subjuga a dignidade dos
policiais e bombeiros militares.
A dignidade da pessoa humana
transcende e ultrapassa todo valor que objetive hierarquizá-la, por
conseguinte, não se pode persistir em aplicar sanções tão severas quanto
a privação da liberdade pelo simples motivo de que o frágil e arraigado
argumento de manutenção da hierarquia e disciplina, nos conduzindo a
não reconhecer nos policiais e bombeiros militares a figura do cidadão.
É consabido que hierarquia e
disciplina regem as relações de todo grupo social desde os mais remotos
tempos, constituindo-se em um meio para o desenvolvimento e
aperfeiçoamento das relações humanas e não no fim para dificultar e
restringir a convivência social, moral e afetiva dos seres humanos, mas
sua subversão ideologizada deliberadamente institucionalizou nas
instituições militares encarregadas da segurança pública, o que
conceituamos de "apartheid hierárquico", dividindo em classes opostas,
oficiais e praças.
Por isso mesmo, a liberdade, o
direito de ir e vir, são qualidades essenciais da personalidade do
cidadão policial e bombeiro militar, e fundamento inabalável do estado
democrático de direito.
Afrontava-nos, inicialmente o título,
pois nos arremete à prisão disciplinar capitulada no ordenamento
disciplinar o encargo de representar o modelo de cidadania plena. A
contradição e o antagonismo são gritantes de vez que a cidadania plena
está distante ainda de ser livremente exercida, enquanto institutos como
a prisão disciplinar encontrarem guarida no bojo do regulamento
disciplinar das Polícias e Corpo de Bombeiros Militares do Brasil -
exceção de Minas Gerais, que em 2002, depois de um longo debate e
embates, conquistaram a abolição da pena privativa de liberdade e a
completa revogação do draconiano Regulamento disciplinar - RDPM.
Trata-se o policial e bombeiro
militar de pessoa concreta, de ser humano que PODE ser "qualquer um",
mas NUNCA é um "SER qualquer". Todos, sem exceção, ocupam o centro da
democracia, não à maneira de um conjunto vago e indefinido, mas sob a
forma que permite a cada um aparecer em sua identidade como a encarnação
do ápice do regime.
É a pessoa concreta o âmago da
democracia, tendente a se tornar, ou já se tornou-se o mais recente
DIREITO dos povos e DOS CIDADÃOS.
O papel dos cidadãos, legisladores,
autoridades políticas e dos militantes dos direitos humanos, é
demonstrar, como estamos ensaiando, a impossibilidade de coabitarem a
plena cidadania e permissão de virem a ser policiais e bombeiros
militares sancionados com penas privativas de liberdade no âmbito
administrativo.
O enclausuramento os coloca mais
próximos da ameaça do aniquilamento moral e da degradação, e o resgate
da dignidade passa pela abolição das penas privativas de liberdade e a
consequente e inadiável reforma de todo ordenamento disciplinar que
regem os policiais e bombeiros militares, por violarem princípios,
normas e disposições da Constituição Federal e de tratados
internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário.
A pena de prisão/detenção não é a
única resposta possível ao comportamento desviante disciplinar, e a
privação da liberdade não intimida os policias e bombeiros militares,
jamais funcionando como fator que desencoraje a ascensão dos índices de
transgressões disciplinares. Por que, então, não buscar outros
mecanismos de promover a reeducação e ressocialização do transgressor,
ao invés de submetê-lo tão somente a uma política de retribuição
punitiva, e de vingança como "última ratio para preservação do poder da autoridade."
Ou será que a retribuição
punitiva, pura e simples, ainda haverá de ser a cultura que desejamos
permeando as relações entre superiores e subordinados.
A abolição da pena privativa de
liberdade, ocasionaria de imediato um significativo avanço no exercício
pleno da cidadania, com a natural absorção do conceito e o
comprometimento com a construção e consolidação de uma filosofia de
polícia cidadã e garantidora de direitos e garantias fundamentais de
todos cidadãos, mas orientado pelo ideal abolicionista e para acercar-se
de sua célere efetivação é fundamental a edição de penas alternativas a
prisão disciplinar, sem se resvalar na tentação de se instituir pena
mais grave, e ainda mais violadora da dignidade.
Muito mais do que defender a abolição
da penas privativas de liberdade, trata-se de uma questão de
universalização dos direitos humanos, tendo lugar o critério novo,
continuamente refeito da dignidade humana em todo rosto do cidadão
policial e bombeiros militar, sendo este sim, o arquétipo da cidadania
plena, e o que a sociedade quer e deseja para que sua segurança e
proteção esteja sob a guarda de cidadãos sujeitos de direitos e deveres e
com seu status político de cidadão respeitado e garantido.
*Artigo escrito e reeditado em apoio ao movimento abolicionista da pena privativa de liberdade e pela revisão dos regulamentos disciplinares das Polícias e Corpo de Bombeiros Militares.
*Artigo escrito e reeditado em apoio ao movimento abolicionista da pena privativa de liberdade e pela revisão dos regulamentos disciplinares das Polícias e Corpo de Bombeiros Militares.
* Sgt PM RR, Presidente
da Associação Mineira e Defesa e Promoção da Cidadania e Dignidade,
Bacharel em direito e ativista de direitos garantias fundamentais,
ex-membro da comissão do código de ética e disciplina dos militares de
Minas Gerais e do anteprojeto do Estatuto de Pessoal da Polícia Militar -
EPPM.
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