domingo, 6 de abril de 2014

Interferência do governo reduz a segurança para investimentos no Brasil

Alimentando incertezas »  Setor privado, mercado financeiro e academia convergem para a constatação de que a política econômica do país está num nível de imprevisibilidade alto demais

Paulo Silva Pinto - Estado de Minas
Publicação: 06/04/2014 06:00 Atualização: 06/04/2014 07:47


Brasília – Os dois economistas mais poderosos do governo – Dilma Rousseff e Guido Mantega – estão entre os admiradores das ideias do britânico John Maynard Keynes (1883-1946), que defendia a interferência do Estado na economia para reduzir as incertezas. Mas, para quem está no setor privado, no mercado financeiro e na academia, o que se vê atualmente é o contrário. Analistas de diferentes matizes afirmam que o nível de imprevisibilidade está alto demais para um momento que em nada lembra os quadros de crise aguda que o país já viveu, com fuga de capitais e disparada do câmbio.
“As dúvidas para quem é tomador de decisões no lado real são muito grandes no Brasil de hoje. Um ano virou longo prazo. Não se consegue saber se em 2015 haverá energia suficiente ou não, como será a política econômica, como será o câmbio, entre outras coisas. Incentivos ora são concedidos, ora são retirados”, afirma Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos. “As incertezas aumentaram muito de meados do ano passado para cá, com o excesso de ativismo do governo”, critica o economista Claudio Porto, presidente da consultoria Macroplan.
Para o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, Dilma e Mantega não são keynesianos. “Eles apenas gostariam de ser”. As principais medidas tomadas pelo governo não foram no campo da macroeconomia, como orientava Keynes, mas na microeconomia. No setor elétrico, buscou-se modicidade tarifária por meio de mudanças nos contratos de concessão. Na área de combustíveis, segurou-se o valor da gasolina e do diesel, reduzindo, com isso, a competividade do etanol e frustrando os investimentos realizados na área. E o lançamento de novas concessões de rodovias teve de ser postergado devido às tentativas iniciais de proporcionar uma taxa de lucro muito baixa.
“Keynes não preconizava intervenções desse tipo”, afirma Schwartsman, que acaba de lançar o livro Complacência, em co-autoria com Fabio Giambiagi, no qual dedica um capítulo ao problema das mudanças de regras do jogo. O professor de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) João Saboia também está entre os críticos das alterações freqüentes promovidas pelo Estado. “Alguma mudança é razoável em política econômica. Mas em prazo tão curto, causam insegurança. É a chamada inconsistência temporal”, aponta.
OFERTA Schwartsman ataca mesmo a atuação do governo para garantir a demanda agregada a partir de 2011, com a queda na taxa de juros, mais tarde revertida, e a redução do superávit primário, algo que se enquadra no preceito keynesiano de ampliar a demanda agregada. “Em 2008 e em 2009, isso fazia sentido como política anticíclica. Mas não depois, quando as dificuldades de crescimento passaram a ser não de falta de consumo, mas sim de limitação de oferta”, aponta.
Além de frustrar as expectativas internas, as medidas adotadas pelo governo brasileiro contrastam com o que se veem em outros países. "Todas as boas práticas de gestão macroeconômica do pós crise de 2008 apontam no sentido de que os governos devem atuar como estabilizadores", argumenta Porto. "Um exemplo disso é o Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos), que está retirando os estímulos, de maneira gradual para dar tempo aos agentes econômicos se programarem, se ajustarem", explica.
Para o professor de economia da Universidade de Brasília Jorge Arbache, as complexas medidas adotadas em outros países fazem com que o Brasil corra o risco de ter uma estrutura produtiva cada vez mais defasada se não se preparar. "O ambiente global hoje é mais complexo, e precisamos de um plano de voo", indica. "Não estou falando de algo detalhado, como se fazia na União Soviética. O que importa é o setor público e o setor privado se coordenarem. Isso foi feito na Alemanha e nos Estados Unidos. E funcionou", aponta. Ele explica que o Brasil sofre cada vez mais a influência do mercado global, mesmo que não busque ampliar a integração. "Não se trata apenas de comércio, mas de capitais e de formação de preços e insumo e ativos. A influência hoje é em tempo real", afirma.
URNAS O ponto central das incertezas hoje é a eleição de outubro. É o que impede, por exemplo, na visão de vários analistas, a decisão de poupar energia, diante da falta de chuvas em algumas áreas e da dificuldade de geração das usinas. "Autoridades já poderiam ter tomado iniciativa de algum programa de racionalização de energia. Alertar a população não é atestado de incompetência. O verão foi muito seco, diferentemente dos anteriores. Mas há dificuldade em ano eleitoral. Isso acrescenta incerteza para o empresariado", argumenta Saboia, da UFRJ. Schwartsman concorda que o pleito dificulta a tomada de decisão, e alerta para o fato de que isso pode agravar o problema energético. "O governo está empurrando com a barriga. Só pensa em se manter no poder".
O desfecho do pleito, por outro lado, tende a desatar nós. “O vencedor da eleição tem condições de melhorar o quadro de incertezas, independentemente de quem seja. No caso de um governo novo, essa chance é muito favorável. Mas também com a reeleição as idas e vindas podem diminuir. Sou otimista”, diz Saboia.
Porto vê tendência de a presidente Dilma manter a política atual caso seja reeleita, mas não descarta chances de uma mudança radical. “Ou ela dobra a aposta ou dá um cavalo de pau. Se recorrer à ortodoxia não será por preferência e sim por inevitabilidade”, analisa. São grandes, portanto, as chances de um 2015 duro, que poderá, ao menos, trazer de volta taxas mais altas de crescimento a longo prazo. “O que digo aos empresários é que eles devem se preparar para o aperto no ano que vem. Mas não sou pessimista. O Brasil precisa de uma cirurgia simples. Não é como a Argentina ou a Venezuela”, compara.
Vaivém
O diretor da Schindler, Jürgen Tinggren, percebeu com satisfação, no ano passado, na sede da empresa, em Hergiswil, na Suíça, que as exportações de elevadores e escadas rolantes produzidas pela empresa no Brasil estavam crescendo. Seis meses depois, despencaram. Ligou, então, para a subsidiária,,,, e descobriu que a redução da carga tributária concedida anteriormente havia sido cancelada, eliminando o incentivo para as vendas externas. Tinggren afirma que a imprevisibilidade não é o único problema do ambiente de negócios no Brasil. “A burocracia é terrível. Para receber esse incentivo para exportar, era preciso dedicar 2.000 horas de trabalho de um contador. Em outros países, isso requer, em média,
100 horas”, diz.

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