- Religiosos, no entanto, dizem que tecnologia também leva a Deus
RIO - A curitibana Wanda Karine Santana, de 33 anos, passou
praticamente a vida inteira seguindo preceitos religiosos. Na infância,
foi batizada na Igreja Católica e frequentou missas. Depois, participou
de grupos jovens mórmons e integrou denominações evangélicas como a
Igreja Pentecostal Deus é Amor, a Igreja Internacional da Graça de Deus e
a Igreja do Evangelho Quadrangular. No ano passado, incentivada por um
amigo, começou a participar de uma comunidade de ateus e agnósticos no
Facebook. As discussões on-line levaram a estudante de Direito a
repensar suas crenças e, de forma surpreendente, tornar-se ateia.
-
Primeiro me tornei agnóstica, depois abracei o ateísmo. Nunca me senti
tão livre. Sou capaz de assumir os meus atos, meu comportamento é
determinado pelo que eu aprendi, não por imposição religiosa - conta
Wanda, que compartilhou na rede social o seu depoimento. - A internet
foi fundamental nesse processo. A rede estabeleceu um espaço para as
pessoas discutirem livremente.
Para
o pesquisador americano Allen Downey, ex-Google e professor da Olin
College of Engineering de Massachusetts (EUA), casos como o da estudante
se tornaram comuns. Em um polêmico estudo, ele vê ligação entre o
avanço da web e a queda da adesão religiosa. Entre 1990 e 2010, o número
de americanos sem religião aumentou de 8% para 18%, enquanto o uso de
internet avançou de quase zero para 80%. O pesquisador ressalta que se
trata de uma correlação estatística, sem relação causal. Entretanto,
sustenta, fornece evidências em favor da causalidade.
Por
outro lado, adeptos e estudiosos de religião criticam esse raciocínio.
Eles veem a internet muito mais como uma aliada da catequese do que uma
adversária. Citam, entre outros exemplos, o estreitamento entre líderes
religiosos e fieis graças às redes sociais, aplicativos que facilitam a
propagação de doutrinas e até mesmo o alcance midiático do Papa
Francisco, que já reúne 13 milhões de seguidores em sites como o Twitter
e o Facebook.
Divulgado no fim de março, o estudo da
Olin College foi feito com base numa espécie de censo bienal conduzido
pela Universidade de Chicago (EUA) e segmentou a amostra por idade, grau
de escolaridade, renda, local de moradia, classe social e, claro, uso
de internet.
Após o cruzamento de dados, três fatores
surgiram como principais contribuidores para a redução da filiação
religiosa: o aumento do número de pessoas que não recebem educação
religiosa na família (de 3,3% para 7,7%), o crescimento da parcela da
população com 16 anos ou mais de estudo (17,4% para 27,2%) e o avanço da
internet (de 0% para 78%).
Educação religiosa tem forte queda
“Sem
surpresas, o fator com maior efeito é o encolhimento da educação
religiosa”, diz o estudo. “A educação superior diminui as chances de
filiação religiosa, assim como o uso da internet”. Downey especula que a
facilitação da comunicação e o aumento da circulação de ideias podem
influenciar no processo de secularização.
- É fácil
imaginar ao menos duas formas em que o uso da internet pode contribuir
para a desfiliação religiosa. Para as pessoas que vivem em comunidades
homogêneas, a internet oferece a oportunidade de encontrar informações e
interagir com pessoas de outras religiões ou nenhuma. E, para os que
têm dúvidas em relação à religião, a internet provê acesso a pessoas em
circunstância similar em todo o mundo - explica.
A
pesquisa foi destaque na “MIT Technology Review”, revista do prestigioso
Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Contudo, para Yvonne Maggie,
professora do departamento de Antropologia da UFRJ, o avanço da web e o
aumento da população que se declara sem religião estão, ambas, ligadas
ao mundo contemporâneo, não sendo possível aferir relação direta entre
os fenômenos.
- Nós vivemos o desencantamento do mundo,
onde os acontecimentos não são mais vistos pela ótica religiosa - afirma
Yvonne. - O consumismo, as novas tecnologias, o aumento da
escolaridade, a urbanização, o avanço do ateísmo... São fenômenos do
mundo contemporâneo, mas fazer relação direta entre uma coisa e outra é
complicado.
A antropóloga destaca que a secularização vem
avançando no mundo inteiro nos últimos 40 anos, inclusive no Brasil. O
último censo demográfico, realizado pelo IBGE em 2010, mostrou que 8%
dos brasileiros se declaram sem religião, o que representa cerca de 15
milhões de pessoas, sendo que 615 mil se declararam ateus. Em 1991 o
percentual era de 4,8%, em 2000, de 7,3%.
- A falta de
religiosidade não quer dizer que as pessoas não tenham outras crenças.
Para muitos, a ciência funciona quase como uma religião - propõe a
antropóloga.
O padre Jesús Hortal Sánchez, pRofessor de
Teologia na PUC-Rio, concorda que a falta de educação religiosa no
âmbito familiar e o avanço do nível de escolaridade são variáveis que
vêm contribuindo para a diminuição da filiação religiosa, mas discorda
sobre a internet, considerada por ele apenas uma ferramenta. Na opinião
de Sánchez, a rede mundial de computadores pode até mesmo facilitar a
catequese.
- A internet amplia o acesso à informação, mas
depende do que a pessoa busca na rede. No meu Facebook, quase todos os
meus 400 contatos debatem questões religiosas - diz.
Magali
Cunha, professora de Comunicação na Universidade Metodista de São Paulo
e colunista do GLOBO, destaca o surgimento da “religiosidade
cibernética”, formato para expressão da fé surgida com o avanço da
internet e das novas tecnologias. Sites permitem acender “velas
virtuais”, e, inspirados no tradicional confessionário, surgiram espaços
para orientação espiritual on-line. No instituto Amaivos, por exemplo,
qualquer pessoa pode entrar em contato com representantes de várias
religiões para tirar dúvidas ou desabafar sobre seus problemas.
-
As instituições religiosas pararam no tempo - diz o economista Tony
Piccolo, fundador do instituto. - As pessoas estão buscando alternativas
para trabalhar a fé, sem vínculo com as religiões.
Católico
praticante, Piccolo afirma que a internet horizontalizou as relações
humanas, minando a hierarquia tão presente nas religiões. Ele conta ter
enfrentado dificuldades para convencer os religiosos sobre a importância
da tecnologia quando o site foi criado, em 2000.
Esse não é o caso do padre espanhol José María Ramírez, da Congregação Legionários de Cristo, que no mundo tech
pode ser considerado um aficionado de primeira hora. Há 14 anos ele
adotou um palmtop para carregar versões digitais da Bíblia e, hoje, usa
um iPad e um iPhone 4 para facilitar seu trabalho de evangelização e
comunicação com os fieis.
- Faço parte de uns 20 grupos
no WhatsApp - diz o padre de 59 anos, com orgulho. - A fé caminha junto
com a cultura, porque faz parte dela.
A missa toda no smartphone
Os
fiéis se beneficiam da tecnologia. A advogada paulistana Heloísa
Cardillo Weiszflog, de 31 anos, instalou há cerca de três meses o
aplicativo “Católico Orante” em seu smartphone. Desde então, trocou o
tradicional folheto de papel pelo celular para acompanhar as missas.
- Se a pessoa é realmente religiosa, é uma forma de aprofundar ainda mais a fé - diz.
O criador do aplicativo, Rafael Ribeiro, afirma que ele já foi baixado quase 500 mil vezes na Google Play:
- Se a tecnologia existe, por que não usá-la em prol da religião?
E
por que não usá-la para propagar ideias racionais e antirreligiosas?
Essa é a proposição de Daniel Sottomaior, presidente da Associação
Brasileira de Ateus e Agnósticos, que concorda com a inexistência de
nexo de causalidade entre o avanço do acesso à internet e o
arrefecimento da fé, mas vê no acesso à informação, de um modo geral, a
porta de saída das religiões:
- Todo mundo nasce ateu.
Somente depois as pessoas se convertem, por experiência emocional ou
doutrinação infantil, e algumas abandonam a religião quando começam a
questionar os dogmas. A informação é libertadora.
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