domingo, 2 de junho de 2013

Desprezado, trecho da BR-381 carrega longa marca de tragédias

ESQUECIDA » Trecho inicial de 125 quilômetros que abriga mais de 300 mil pessoas no Vale do Rio Doce é desprezado pelas iniciativas de duplicação e melhoria

Paulo Henrique Lobato - Estado de Minas
Publicação: 02/06/2013 00:12 Atualização: 02/06/2013 09:31

 (Marcos Michelin/EM/D.A Press)

Divino das Laranjeiras e São João do Manteninha – “Se esta estrada é perigosa? Ô, se é. Foi logo ali que um tio meu, o Antônio, morreu atropelado. O Manoel, da barbearia, também perdeu a vida nela. O Raimundo, vaqueiro dos bons, foi mais uma vítima. O advogado Luiz Pacheco, coitado, enterrou dois filhos: o carro em que eles estavam capotou. É uma BR com defeitos no asfalto e curvas fechadas”. Os desastres recordados pelo aposentado Nelson Germano dos Santos, de 65 anos, ocorreram no antigo trecho de 125 quilômetros da BR-381 entre Governador Valadares a Mantena, cidades do Vale do Rio Doce, e que ainda passa pelos pacatos municípios de Divino das Laranjeiras, São João do Manteninha e Central de Minas.
"É o principal acesso de muita gente ao Norte capixaba e ao Sul baiano. Infelizmente, também é palco de acidentes", disse Nelson Germano dos Santos, aposentado
'É o principal acesso de muita gente ao Norte capixaba e ao Sul baiano. Infelizmente, também é palco de acidentes', disse Nelson Germano dos Santos, aposentado (Marcos Michelin/EM/D.A Press)Aproximadamente 310 mil pessoas moram nos cinco municípios. Muitas delas rotulam aquele pedaço de asfalto como “a parte esquecida da 381”, pois é o único trecho mineiro da rodovia federal sem proposta de duplicação. Inaugurada em 1959 pelo então presidente da República Juscelino Kubitscheck (1902–1976), a 381 liga o estado ao Espírito Santo à capital paulista. Em Minas, ela tem 950 quilômetros e pode ser dividida em três partes. A primeira, conhecida como Rodovia Fernão Dias, em homenagem ao bandeirante caçador de esmeraldas, vai do município de Extrema (no Sul de Minas) a Belo Horizonte. Trata-se do traçado duplicado, nas décadas de 1990 e 2000, e concedido à iniciativa privada.
A segunda parte, apelidada de Rodovia da Morte, de BH a Governador Valadares, tem promessa de ser alargada nos próximos anos. Os editais de licitação foram publicados pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em março passado, e as propostas serão entregues pelas construtoras este mês. A previsão para o início e a conclusão das obras depende da elaboração do projeto executivo, o qual deve levar de um a dois anos – há expectativa de que o atual traçado, bastante sinuoso, seja corrigido com cerca de 90 pontes, viadutos e túneis.
Já o terceiro trecho da estrada, de Governador Valadares a Mantena, é o que usuários chamam de “a parte esquecida da 381”. A duplicação dele depende tanto do Dnit quanto do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-MG). A explicação é simples: o asfalto entre Valadares e a ponte sobre o Córrego Santa Helena, no pacato povoado de São Vítor, é de responsabilidade do órgão federal, pois ele é sobreposto a um pedaço da BR-259 – as duas estradas têm um trecho em comum, a exemplo do que ocorre, em parte do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, com a 381, a 262 e a 040.






Por sua vez, o trecho que vai do lugarejo de São Vítor a Mantena foi delegado pelo governo federal ao estado, em dezembro de 2002, por meio da Medida Provisória 82, assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em concordância com o então governador Itamar Franco. Em razão disso, essa parte da estrada é chamada de MGT-381. Para Nelson dos Santos, o aposentado que perdeu um tio e amigos na via, pouco importa a denominação da estrada. Num dos bancos em frente à matriz de Divino das Laranjeiras, onde mora, ele sonha com o dia em que prestigiará a cerimônia de duplicação da via.
“É uma estrada importante para quem mora no Vale do Rio Doce. É o principal acesso de muita gente ao Norte capixaba e ao Sul baiano. Infelizmente, também é palco de acidentes. Atrás daquele morro, logo na descida, vá lá e veja você mesmo, há uma cruz de madeira. Foi o local em que Manoel, o da barbearia, faleceu. Ele estava numa bicicleta e foi atingido em cheio por um carro. O amigo, que Deus o tenha, não resistiu ao impacto”, recorda Nelson.

Cruzes sinalizam série de desastres

Há outras cruzes ao longo da estrada. Uma delas está no km 20, perto de São João do Manteninha, uma pequena cidade no sopé da montanha. A cruz de ferro foi fincada às margens da estrada em memória a duas mulheres. Quem conta é o caseiro João Armiro: “Eram mãe e filha. A moto em que estavam derrapou na pista, há uns oito meses, jogando-as no asfalto. Não resistiram aos ferimentos. Cheguei a ver os corpos. Cena horrível. Na semana passada, foi a vez de um motoqueiro. Passou direto na mesma curva. O veículo deslizou e bateu, bem aqui, no pé da cruz, quase a arrancando. Neste ponto é difícil passar um mês sem acidente.”

A macabra curva do km 20 é uma das mais críticas da estrada. Seu ângulo acentuado é agravado pela geografia do lugar: o traçado está numa descida íngreme. Há quem diga que os acidentes só ocorrem no local devido à imprudência de motoristas que pisam fundo no acelerador. Por outro lado, é bom lembrar que a curva é um prato cheio para colisões frontais. Em outras palavras, mesmo que um condutor desrespeite o limite de velocidade no trecho, há o risco de ele invadir a pista contrária, atingindo motoristas e passageiros inocentes, que trafegam na direção oposta.

A duplicação, conclui João Armiro, evitaria esse tipo de desastre: “Há muitos acidentes no trecho”. Procurada, a Polícia Militar Rodoviária (PMR), responsável pela vigilância no trecho, não informou a estatística de tragédias, mortos e feridos na parte esquecida da 381.
Placas danificadas ou encobertas e falta de acostamento contribuem para desorientar condutores em todo o percurso em Minas  (Marcos Michelin/EM/D.A Press)
Placas danificadas ou encobertas e falta de acostamento contribuem para desorientar condutores em todo o percurso em Minas
Placas encobertas ou jogadas ao chão

Ao mesmo tempo em que se encantam com a vegetação exuberante, com as montanhas rochosas, nas proximidades da divisa com o Espírito Santo, e com o carisma de moradores do Vale do Rio Doce, motoristas e passageiros que percorrem os 125 quilômetros entre Governador Valadares e Mantena precisam dobrar a atenção com as armadilhas do trecho. O antigo traçado, bastante sinuoso, e as pistas simples sem barreira física entre as direções opostas são os maiores perigos da rodovia, mas o trecho reserva outras ciladas, como placas cobertas pelo mato, buracos e ausência de acostamento.

O Estado de Minas percorreu o trecho e constatou muitos problemas no local, por onde trafegam, segundo o poder público, até 2 mil veículos por dia. Tanto o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) quanto o Departamento de Estradas de Rodagem (DER) investem em serviços de manutenção da estrada, como operações tapa-buracos e roçadas no mato às margens do asfalto. No trecho comum com a BR-259, por exemplo, o diretor do órgão federal no Leste de Minas Gerais, Ricardo Freitas, lembra que a pista recebeu nova camada de asfalto há pouco tempo.

Já o diretor do DER na região, Geraldo Falsi, acrescenta que o órgão já iniciou obras de recapeamento do asfalto. No trecho entre Mantena e a divisa com o Espírito Santo, o departamento liberou cerca de R$ 2 milhões para dar novo visual à pista. A Secretaria de Estado de Transportes e Obras Públicas (Setop), que trabalha em parceria com o DER, informou que a roçada já está concluída em cerca de 80 quilômetros e que as intervenções em drenagem, medidas para reduzir a possibilidade de aquaplanagem, serão iniciadas em breve.

Mas quem passa pela região precisa dobrar a atenção. Ao longo da viagem entre Governador Valdares e Mantena, marcas de pneus no asfalto mostram que muitos motoristas tiveram problemas no trecho. Talvez alguns pudessem ser evitados se placas de sinalização não fossem cobertas pela vegetação. A sinalização também é deficiente no asfalto: há pontos em que as importantes faixas contínuas ou pontilhas estão apagadas, como ocorre no km 29, perto de São João do Manteninha.

Os problemas, porém, começam logo no primeiro quilômetro, na divisa de Minas com o Espírito Santo, onde alguns buracos na pista exigem cuidado dos condutores. Dez quilômetros adiante, em direção a Governador Valadares, o defeito é um desnível no asfalto. No km 20, uma placa adverte: “trecho com alto índice de acidentes”. Lá, é o início de uma descida íngreme. No km 25, uma curva acentuada, à direita, é outro ponto perigoso.
No trecho entre Governador Valadares e Mantena, rodovia é usada por ruralistas, colocando motoristas em risco constante (Marcos Michelin/EM/D.A Press)
No trecho entre Governador Valadares e Mantena, rodovia é usada por ruralistas, colocando motoristas em risco constante
Animais dividem pista com veículos

Usuários da via também contribuem para armadilhas. No km 36, onde a estrada corta um pequeno povoado, uma placa que informa a existência de quebra-molas no local foi jogada ao solo. Como a lombada não é colorida, alguns condutores só a enxergam a poucos metros do obstáculo. Três quilômetros adiante, há outro desnível na pista. No km 57, a atenção é para mais uma curva fechada. No km 66, costelas no asfalto.

Dois quilômetros adiante, mais uma descida íngreme. Já no km 73, uma porção de terra se deslocou do barranco e invadiu um pedaço do asfalto. No km 77, perto de Central de Minas, uma placa amarela confunde os usuários. Duas mensagens sobrepostas – viaduto em obras e entrada e saída de veículos – embaralham a vista de motoristas. Outros problemas, no trecho até Governador Valadares, são a falta de acostamento. Na hipótese de um veículo estragar numa curva, o local precisa ser muito bem sinalizado.

Condutores também precisam ter atenção com a possibilidade de animais invadirem a estrada. Há várias fazendas ao longo do trecho. Em janeiro, um caminhoneiro tentou desviar de um cavalo, perdeu o controle do veículo e desceu um barranco. Houve um princípio de incêndio, que foi controlado por outro caminhoneiro. Mas o tanque da carreta se rompeu com o impacto e cerca de 150 litros de óleo vazaram. (PHL)

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