terça-feira, 11 de junho de 2013

Delegado indiciado pela morte de ex complica judicialmente cinco pessoas

Indiciado como assassino da ex-namorada de 17 anos, Geraldo Toledo complica a vida de sua advogada e de outras quatro pessoas, acusadas de ajudá-lo a obstruir a investigação do crime

Pedro Ferreira - Estado de minas
Publicação: 11/06/2013 06:00 Atualização: 11/06/2013 06:48

O policial na reconstituição do episódio: para a encarregada do inquérito, uma pessoa de alta periculosidade (Juarez Rodrigues/EM/D.A Press - 26/4/13)
O policial na reconstituição do episódio: para a encarregada do inquérito, uma pessoa de alta periculosidade

Considerado inteligente pelos colegas, mestre em direito penal e professor universitário, o delegado da Polícia Civil Geraldo do Amaral Toledo Neto, de 40 anos, é acusado pela corporação à qual pertence de fazer de tudo para esconder provas que o incriminariam como autor do tiro que resultou na morte de sua ex-namorada Amanda Linhares dos Santos, de 17 anos. Apesar do esforço, ele foi indiciado ontem por homicídio qualificado, por motivo fútil, cuja pena é de 12 a 30 anos de prisão. Além disso, o policial, preso na Casa de Custódia do Bairro Horto, Região Leste da capital, vai responder pelo crime de fraude processual, com cinco pessoas que o ajudaram a esconder provas do crime – entre elas sua advogada, Maria Amélia Tupynambá. A pena é de três meses a dois anos de detenção, mas, como se trata de obstruir a instrução de uma investigação, a punição pode ser dobrada.
Os demais suspeitos de ajudar no sumiço de provas e na descaracterização da cena do crime são Paula Rafaela Rocha Maciel, que também se relacionava com o acusado, além de Gabriel Gomide, Carlos Alexandre Barbason e Edmar da Silva Pereira, identificados como amigos do policial. “Elas obstruíram a elucidação dos fatos, tirando coisas dos seus lugares, em atitudes como limpar o sangue do carro do suspeito e jogar fora munições”, disse a delegada corregedora responsável pelas investigações, Águeda Bueno do Nascimento. Ela conseguiu a conversão da prisão temporária do delegado em preventiva, por tempo indeterminado, para garantir a ordem pública e o término da instrução criminal. O inquérito foi concluído ontem e encaminhado à Justiça de Ouro Preto para julgamento.Geraldo Toledo nega o crime e diz que a ex-namorada tentou suicídio. Mesmo preso, ele continua recebendo salário de delegado, até ser demitido ou até que haja decisão judicial em contrário. “Ele pode ser demitido. Foi sugerido no relatório do inquérito que seja instaurado processo administrativo, tendo em vista que as investigações indicam que ele cometeu transgressão disciplinar de natureza grave, passível de demissão”, disse a corregedora, que considera o acusado uma pessoa de alta periculosidade.
Amanda foi baleada na cabeça em 14 de abril, em uma estrada que liga Ouro Preto a Lavras Novas, na Região Central de Minas. A menor morreu na última segunda-feira, depois de passar 51 dias internada no Hospital de Pronto-Socorro João XXIII (HPS), na capital. Águeda Bueno enumerou várias provas contra o delegado: “Temos um coldre de uma arma 6.35, que é a arma da qual partiu o disparo contra Amanda, que foi escondido debaixo de folhagens no quintal da casa onde o delegado se refugiou após sair de Ouro Preto. Ele limpou o sangue do seu veículo e nós conseguimos provar, com uso do agente químico luminol, que houve tentativa de obstruir o esclarecimento dos fatos”. A arma do crime não foi localizada. Geraldo Toledo também destruiu o telefone celular de Amanda e o jogou fora, segundo a delegada, e depois arremessou a bolsa dela do alto do Viaduto da Mutuca, na BR-040, chegando a Belo Horizonte.
Duas testemunhas, segundo Águeda, observaram, às 14h32 de 14 de abril, o veículo do delegado estacionado na BR-356, ao lado do muro de uma siderúrgica em Ouro Preto. “A jovem estava se debatendo e ele chegava a agredi-la e arremessava objetos para fora do veículo, numa atitude bastante agressiva, o que chocou esse casal, que parou o carro e tentou acionar a Polícia Militar”, disse a delegada. Quando a PM chegou, o carro do delegado já não estava mais no local.


Quase 1,5 mil páginas sustentam a apuração
'Eles obstruíram a elucidação dos fatos, tirando coisas dos seus lugares, em atitudes como limpar o sangue do carro do suspeito e jogar fora munições' - Águeda Bueno do Nascimento, delegada corregedora (Rodrigo Clemente/EM/D.A Press)
"Eles obstruíram a elucidação dos fatos, tirando coisas dos seus lugares, em atitudes como limpar o sangue do carro do suspeito e jogar fora munições" - Águeda Bueno do Nascimento, delegada corregedora
O inquérito referente ao caso Amanda foi instaurado em 15 de abril, um dia depois de o delegado abandonar a vítima, baleada na cabeça, em uma unidade de pronto atendimento de Ouro Preto, sem qualquer identificação, e fugir também sem se identificar. Diante das suspeitas contra ele, o caso foi passado para a corregedoria. O inquérito tem 1.478 páginas, distribuídas em quatro volumes. Foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão, tomados 62 depoimentos, três deles do acusado, e feitas 20 perícias, entre medicina legal e perícia criminal. Também foi quebrado o sigilo telefônico de 13 linhas, entre elas três do delegado e duas usadas por Amanda. Uma ligação anônima à PM de Ouro Preto foi rastreada, pois a conversa não havia sido gravada. A pessoa foi localizada e prestou depoimento.

Chegando a Belo Horizonte depois do crime, segundo a delegada Águeda Bueno, Geraldo Toledo deixou o carro na casa de um amigo, fez algumas incursões pela cidade e dormiu na casa de outro amigo. “No dia seguinte, ele foi à delegacia querendo conversar com sua chefe, mas sem querer se entregar, alegando apenas que houve uma tragédia, pois a namorada havia se suicidado na frente dele. A chefe estava em uma reunião; ele saiu e não voltou mais”, disse Águeda. O mandado de prisão temporária foi, então, expedido.

Violento

Também foram anexadas ao processo cópias de procedimento em que Geraldo Toledo é acusado de lesão corporal contra Amanda, em 20 de março, menos de um mês antes do disparo do tiro que a matou. Para a responsável pelo inquérito, o delegado matou a ex-namorada por motivo fútil. A corregedora ressalta que o acusado tem temperamento agressivo e no dia do crime estava com raiva da vítima, porque ela havia feito uma denúncia contra ele. “Houve uma discussão deles minutos antes do crime na rodovia. Duas testemunhas a viram no colo dele, sendo agredida”, reforçou Águeda, lembrando que uma testemunha presenciou uma discussão do casal dias antes do crime.

“Era um relacionamento conturbado. Não se nega que essa garota fosse apaixonada por ele. Seria até natural uma garota de 17 anos se apaixonar por um homem mais velho, com seus encantos, bastante versátil, que falava bem, tinha um carro chamativo. Ela se encanta por ele, mas há uma relação conturbada, porque ela era uma adolescente e se comportava como tal. Lamentavelmente, ele não tem um comportamento de um homem maduro”, criticou a delegada corregedora. Por outro lado, ela avalia o suspeito como muito inteligente. “Não podemos subestimá-lo. É alguém de muita perspicácia, inclusive no que se tange ao procedimento processual penal”, disse.


ENTENDA O CASO

– A família de Amanda Linhares descobriu o relacionamento da adolescente, então com 15 anos, com o delegado, 23 anos mais velho, em 2011. O caso foi denunciado por representantes da escola onde a jovem estudava.
– Durante mais de dois anos, parentes dizem ter tentado sem sucesso afastar a garota do policial, inclusive mandando-a por seis meses para a casa de avós, em Goiás.
– A família se mudou para o interior, mas Amanda ficou na capital. Chegou a morar por algum tempo com Geraldo Toledo, mas o relacionamento era tumultuado.
– Amigas da jovem denunciam ter presenciado o delegado fazendo ameaças à namorada, que estava grávida, querendo que ela abortasse. À família, Amanda disse ter perdido o bebê. O policial negava a gravidez, o que teria sido desmentido por exames entregues à Corregedoria da Polícia Civil.
– O chefe da adolescente em um centro de compras do Bairro Buritis chegou a informar à família que Amanda chegava para trabalhar com hematomas no corpo, o que levou parentes a suspeitar de agressões.
– Duas semanas antes de ser baleada, Amanda registrou queixa de agressão contra Geraldo Toledo. Após ser agredida, a adolescente voltou para a casa da mãe. A Justiça decretou medida protetiva em favor da menor.
– No dia em que foi baleada, 14 de abril, Amanda recebeu ligação de Geraldo Toledo, segundo familiares. Eles atestam que ela se maquiou e escolheu roupa nova e salto alto para sair com o policial. Toledo alega que ela estava depressiva e que tentou se matar.
– Baleada na cabeça, em uma estrada que liga Ouro Preto a Lavras Novas, a menor foi deixada em uma unidade de pronto atendimento pelo policial, sem nenhum documento. Durante as investigações, a polícia apurou que pertences da jovem foram jogados em vários pontos, supostamente pelo policial.
– No dia seguinte, Toleto se envolveu em outra confusão, ameaçando com arma funcionários de um shopping popular em BH. O delegado, que responde a mais nove sindicâncias, dez inquéritos e dois processos administrativos na Corregedoria, foi preso como principal suspeito de balear a ex-namorada, que morreu no dia 3, após 51 dias internada.
– Em 26 de abril, Toledo participou de reconstituição em Ouro Preto. Mesmo com o exame residuográfico, que não detectou pólvora nas mãos da jovem, ele sustentou o argumento de que a ex-namorada tentou suicídio.

Nenhum comentário: