domingo, 7 de abril de 2013

Dops paulista vigiava políticos e militantes mineiros

Dops de São Paulo não se limitava a fichar 'subversivos' do estado vizinho. Em certos casos, vigiava os passos deles desde o momento em que punham os pés em território paulista

Alessandra Mello
Marcelo da Fonseca - Estado de Minas
Publicação: 07/04/2013 07:00 Atualização: 07/04/2013 08:54
No dia 4 de agosto de 1963, um avião da extinta Varig pousou no aeroporto de Santos, no litoral paulista, trazendo o então senador e ex-presidente da República Juscelino Kubitschek (1956-61). Em campanha para voltar à Presidência da República, o mineiro JK permaneceu em Santos por cerca de oito horas. Durante toda a sua permanência na cidade foi seguido por um araponga a serviço da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Todos os seus passos foram detalhados num relatório assinado pelo investigador João dos Santos.

O regime militar ainda não tinha se instalado oficialmente no Brasil, mas já preparava o terreno para o golpe do ano seguinte – em março de 64 –, quando iria intensificar a tática de acompanhar de perto, sempre nas sombras, personalidades dos mais diversos setores, suspeitas de ser simpáticas aos subversivos e à volta do regime democrático.
Já cassado pela ditadura, sob acusação de corrupção e de ser apoiado pelos comunistas, o ex-presidente continuou a ser seguido pelo Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Dops-SP) todas as vezes que saia de Minas Gerais ou de outros estados e pisava em solo paulista. Foi assim em 1967, quando JK desembarcou de navio no porto de Santos e passou alguns dias visitando amigos e políticos na região do litoral paulista e também na capital. Por todas as cidades por onde passou, foi acompanhado por um agente do aparato de informação e repressão do regime militar em São Paulo.
Vários outros mineiros foram monitorados pelo Dops paulista, como a presidente Dilma Rousseff, detida em um bar na Rua Augusta, em 1970, e o prefeito Marcio Lacerda, Na sua ficha no órgão aparece a data de sua prisão, ocorrida em 11 de julho de 1969, e os codinomes Gringo e Humberto que ele usava para ocultar sua identidade. O relatório também tem reportagens sobre a participação de Lacerda e outros integrantes da VPR em assaltos para financiar o combate ao regime militar.
Post mortem Já no fim do regime militar, quando já tinha sido iniciado um processo de abertura e parte do aparato repressivo começou a ser desmontado, a vigilância de perto foi trocada pelo monitoramento das notícias publicadas em jornais e revistas. Foi assim com o então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves, que começou a ser vigiado pelo Dops paulista em 1983. Até mesmo depois de sua morte, esse monitoramento continuou sendo atualizado e chegou a constar nele uma referência à publicação nos jornais do discurso que Tancredo Neves faria em sua posse como presidente da República, que acabou não ocorrendo.
Outro mineiro cujos passos eram acompanhados pela repressão em São Paulo foi Clodsmithi Riani, um dos três deputados estaduais mineiros cassados em abril de 1964. Operário e sindicalista, Riani começou a ser monitorado em Sâo Paulo em 1963. Em seu prontuário não constam muitas informações, somente uma enorme foto, usada para que os investigadores pudessem identificar quem deveria ser seguido.
Também foram fichados no Dops os escritores Otto Lara Resende, por causa de sua participação em um debate no Teatro Municipal de São Paulo sobre a Lei de Segurança Nacional, e Pedro Nava, tachado de “um dos grandes defensores do restabelecimento de eleições diretas para Presidência da República”.
O deputado federal Nilmário Miranda (PT-MG) tem um longo prontuário em São Paulo. Preso na capital paulista, o deputado passou dois anos e meio em presídios e delegacias paulistas. Ele mesmo já esteve no Arquivo Público de São Paulo consultando sua ficha. Segundo ele, as únicas fotografias que tem da sua época de juventude foram feitas pelo Dops-SP. “Nenhum militante tirava fotos para evitar ser seguido ou reconhecido pelo regime militar, mas quando a gente era preso eles logo fotografavam para fazer a identificação”.
Triagem Ao dar entrada nos porões militares, os presos políticos passavam por uma triagem detalhada. Nos documentos levantados junto ao Dops de São Paulo estão formulários em que os presos tinham suas características físicas, psicológicas e sociais definidas por um questionário preenchido por delegados responsáveis pela prisão. Além da data e local onde cometeram as infrações, estão registrados também detalhes físicos que nos dias de hoje seriam considerados ofensivos e até mesmo preconceituosos.
As “peculiaridades físicas” dos prisioneiros, como albino, sarará, lábios leporinos, olhos orientais ou falta de dentes, deveriam ser registradas nos relatórios militares. Detalhes como a religião e a instrução dos militantes não passavam batidos, assim como todas as retenções já efetivadas. No entanto, algumas informações não eram preenchidas, como por exemplo, no Auto de Apreensão da Operação Bandeirantes, de janeiro de 1970, que descreve a então militante Dilma Rousseff como terrorista subversiva.
Apesar de o documento trazer um espaço em branco no trecho em que deveria ser explicado o motivo da prisão, os militares demonstraram grande conhecimento de suas atuações na luta contrária ao regime, considerando-a uma das “molas mestras de um dos cérebros dos esquemas revolucionários”. Identificada pelo codinome de Maria Lúcia, Dilma foi citada como integrante do Comando Geral da Colina e foram apontados encontros com o braço da Vanguarda Revolucionária (VAR-Palmares) de São Paulo. No relatório encontrado no Dops-SP, a presidente é apontada como uma “pessoa de dotação intelectual apreciável” e que “manipulava grandes quantias de dinheiro para a organização”.

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