segunda-feira, 15 de abril de 2013

B.H: Ascensão social provoca escassez de mão de obra

Procura de jovens por emprego com perspectiva de melhorar de vida deixa uma dezena de profissões na indústria e comércio sem candidatos nem mesmo aos cursos de qualificação

Marta Vieira - Estado de Minas
Publicação: 15/04/2013 00:13 Atualização: 15/04/2013 07:33


Cristhiano Lacerda, de 20 anos, trocou emprego em fábrica por curso de panificação. Alvo de brincadeiras, ele é exceção
Cristhiano Lacerda, de 20 anos, trocou emprego em fábrica por curso de panificação. Alvo de brincadeiras, ele é exceção (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)A opção de Cristhiano Lacerda Ribeiro, de 20 anos, de trocar a função de embalador em uma fábrica de móveis por uma vaga no curso técnico de panificação rendeu brincadeiras dos amigos, mas a reação nem chegou a incomodar. Para quem desdenhou da escolha e da decisão dele de estudar gastronomia numa faculdade especializada de Belo Horizonte, a resposta foi alertar sobre as possibilidades na nova profissão. A falta de prestígio de algumas áreas de trabalho e a busca de emprego dos jovens num cenário marcado pela ascensão social recente no país agravam a escassez de pelo menos uma dezena de profissionais da indústria e do setor de serviços, liderada por padeiros e confeiteiros. Enfrentam o mesmo dilema as empresas que precisam de costureiros, megarefes (desossadores de animais), carpinteiros, almoxarifes, ferramenteiros, torneiros mecânicos, fresadores e técnicos de manutenção de máquinas.
A dificuldade vai além dos departamentos de recursos humanos e alcança as escolas técnicas, em que as indústrias apostavam como alternativa para contratar. Sobram cadeiras nas salas de aula de aprendizagem de costura em confecção, de carpintaria, instalação de sistemas hidrossanitários e almoxarife de obras, assim como nas turmas de técnicos na produção de móveis oferecidas nas escolas do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial em Minas Gerais (Senai-MG). Há casos em que a seleção de alunos ofereceu número de oportunidades mais de sete vezes superior ao de candidatos.
“Atrair os jovens é ainda mais difícil, já que eles não têm informação suficiente e a valorização das áreas profissionais passa por uma questão cultural. O chef de cozinha ganhou status, mas o cozinheiro e o padeiro não são valorizados socialmente”, afirma Edmar Alcântara, gerente de Educação Profissional do Senai-MG. Há dúvidas de que para responder à escassez dessa mão de obra as empresas tenham, agora, de pensar em aumentar os salários ou “importar” trabalhadores, já que nesses setores é elevada a idade média dos empregados.
Na estrada A preocupação cresceu entre as indústrias têxteis e da confecção, que por muito tempo empregaram gerações de mulheres da mesma família. “Hoje, há uma certa aversão das filhas a seguir a carreira das mães costureiras, o que levou as empresas a sair às ruas das comunidades onde operam para tentar sensibilizar os jovens”, observa o presidente do Sindicato das Indústrias do Vestuário de Minas Gerais, Michel Aburachid. Por meio das chamadas escolas móveis do Senai-MG, abrigadas em quatro rodas, mais de 4 mil costureiras já foram formadas no estado, e o programa não para.
“A própria internet influencia na mudança de costumes, além da concorrência que o setor enfrenta com outros ramos na contratação de pessoal, como o telemarketing. Se aumentarmos os salários (que vão de R$ 685 a R$ 950), não vamos conseguir concorrer com os fabricantes chineses”, diz Aburachid. Na Camisaria Bonina, a gerente, Maria Alice Vaz, precisa de pelo menos 30 dias para conseguir contratar uma costureira com pouca experiência e que terá de ser submetida a treinamento em alfaiataria. “A costureira perdeu status porque as oportunidades visualizadas pelos jovens são outras. Eles sonham e buscam a profissão de estilista, designer de moda”, afirma. A indústria mineira estima um déficit de 10 mil costureiras em Minas.
Maratona Na escola de panificação, Cristhiano Lacerda Ribeiro diz que falta conhecimento sobre as perspectivas que o setor oferece e informação para os jovens. Para unir teoria e prática, ele combina a jornada de aulas no curso técnico de padeiro às aulas do primeiro período de gastronomia numa faculdade de Belo Horizonte e já se decidiu pelos próximos cursos na preparação de massas. “É uma área ampla e que permite desde o emprego com carteira ao negócio próprio”, diz.
A oferta de cursos para iniciantes e de qualificação de nível profissional se tornou rotina, para abastecer as empresas, no Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria e de Massas Alimentícias e Biscoitos de Minas Gerais. O presidente da instituição, José Batista de Oliveira, afirma que a dificuldade de contratação envolve uma questão cultural e pouca informação de possíveis candidatos. “A área de confeitaria mais elaborada é muito rica, tem viés crescente nos produtos frescos e funcionais, por exemplo, e vai exigir pessoas mais qualificadas”, afirma.
Carreira profissional postergada
A tecnologia que seduz os jovens alcançou setores tradicionais da indústria, com a valorização dos cursos de nível técnico, mas nem sempre eles percebem o avanço que chegou à produção, e as carreiras de nível técnico perdem para o desejo de entrar na universidade. A queda de braço reflete na reinserção dos trabalhadores nas empresas, observa Hegel Botinha, diretor comercial do grupo Selpe, especializado na contratação de pessoal. “A sociedade precisa entender que uma carreira não concorre com a outra. Até que o profissional cresça na função escolhida é essencial o conhecimento técnico, e bons gestores têm de mesclar qualificação técnica e visão de gerenciamento.”
Atrás dos técnicos, as empresas oferecem salários de até R$ 8 mil a esses profissionais em áreas como metalurgia e manutenção de máquinas ligadas ao setor hospitalar. Na indústria da soldagem, a remuneração inicial pode variar de R$ 1,2 mil a R$ 3 mil, abrindo o caminho para o desenvolvimento do trabalhador na organização, destaca Hegel Botinha.
O ingresso dos jovens no mercado de trabalho está sendo postergado por outros fatores, como o próprio alongamento da vida escolar, lembra Gabrielle Selani Cicarelli, coordenadora da Pesquisa de Emprego e Desemprego na Grande Belo Horizonte pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). “Com a melhor condição socioeconômica das famílias no Brasil, quem tentava conciliar escola e trabalho pode se dedicar mais aos estudos”, diz. Esse é um motivo que explica a taxa mais alta de desemprego dos jovens, de 12,3% em janeiro, frente a 5,6% da média do desemprego na Grande BH.

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