domingo, 1 de julho de 2012

Há 18 anos entrou em circulação o real, moeda que estabilizou a economia no Brasil. O dinheiro que entrou em circulação em 1º de julho de 1994 é a referência ao plano de estabilidae que pôs fim à corrida inflacionária

Paulo Henrique Lobato -
Paula Takahashi -Estado de minas
Publicação: 01/07/2012 06:58 Atualização: 01/07/2012 07:13
Há exatos 18 anos surgia a moeda que transformou a economia brasileira ao interromper a espiral inflacionária que tomou conta do país a partir da década de 1980 e que obrigou a população a conviver com reajustes diárias de preços e as empresas a recorrer à ciranda financeira para preservar o valor do dinheiro. Depois de congelamentos de preços, confisco da poupança e vários cortes de zero nas moedas (cruzado, cruzado novo, cruzeiro e cruzeiro real) que entraram em vigor nas seis tentativas frustradas de estabilizar a economia, o real começou a circular em 1º de junho de 1994. O Plano Real, que chega à maioridade, desindexou a economia e acabou com a distorção da correção monetária (com preços indexados à inflação, os reajustes eram realimentados e para conservar o poder do dinheiro ele era corrigido monetáriamente). Em uma série de reportagens, o Estado de Minas mostra a partir de hoje o drama da convivência com uma inflação que chegou aos hoje inimagináveis 2.477,15% ao ano, os avanços da estabilidade na economia do país, as conquistas e os desafios que ainda há pela frente. A diferença de personagens que conviveram com a corrida de preços e os que desconhecem essa rotina e entrevistas com alguns dos criadores do Plano Real, mostram que a moeda deu outra cara à economia brasileira.

Disposto sempre a um dedo de boa prosa, Fernando Henrique Soares, de 74 anos, tem muitas histórias para contar. Aos amigos de sua geração, sente orgulho em dizer que trabalha duro desde a infância: “Aos 7 anos, numa fazenda em Ponte Nova (Zona da Mata), tirava leite e cuidava da criação. Na década de 1960, já em Belo Horizonte, comecei no comércio. Sou vendedor, e dos bons, até hoje”. Aos mais jovens, ele destaca uma recordação que pode soar como brincadeira de 1º de abril, mas que, por décadas, foi um pesadelo sério para a maioria dos brasileiros: “Houve um tempo em que a inflação era coisa de louco. Eu colocava o preço num produto pela manhã e, à tarde, precisava remarcá-lo. Sabe por que isso acabou? Por causa do Real”.
A atual moeda do país, que enche Fernando Henrique de orgulho, chega à “maioridade”, hoje, com o principal objetivo alcançado: domar o dragão da inflação. A título de exemplo, ela havia sido de 2.477,15% em 1993. “De 1º de julho de 1994, quando o Real entrou em vigor, a 31 de maio de 2012, o indicador foi de ‘apenas’ 305,92%”, calculou o economista Mauro Rochlin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV/IBS). Para este ano, segundo o último relatório Focus, cujo estudo é baseado em consultas do Banco Central (BC) aos principais economistas, a inflação deve ficar em 4,95%. “Temos o dinheiro mais forte da história de nosso país”, afirma “seu” Fernando Henrique, funcionário da Casa Cabana, especializada em chapéus, no Centro de BH.

Mesmo não sendo graduado em economia, o vendedor diz ter propriedade para ressaltar a força da moeda em relação às outras sete que vigoraram no Brasil entre 1942, quando o governo substituiu os réis por cruzeiro, e 1994. “Como comecei a trabalhar em 1945, aos 7 anos, sou um dos poucos brasileiros que receberam salários em todas as moedas (cruzeiro, de 1942 a 1967; cruzeiro novo, 1967 a 1970; cruzeiro (2), de 1970 a 1986; cruzado, de 1986 a1989; cruzado novo, de 1989 a 1990; cruzeiro (3), de 1990 a 1993; cruzeiro real, de 1993 a 1994; e real)”. Ele só muda o humor quando se recorda – e nesse caso não se importa em fazer caretas – da época em que as famílias precisavam estocar alimentos para fugir dos aumentos diários de preços nos supermercados.
A professora aposentada Lúcia Pacífico, de 77, se recorda bem daquela época: “Era um martírio. Não sabíamos como administrar o orçamento doméstico, porque a inflação corroía tudo”. Em 1983, na companhia de algumas amigas, ela criou o Movimento das Donas de Casa (MDC-MG), entidade cujas participantes ficaram conhecidas como “superministras”. Ela própria explica o motivo: “Fazíamos pesquisas em supermercados e divulgávamos os preços na imprensa para alertar os consumidores e pressionar os estabelecimentos a reduzir os preços”, conta Lúcia, presidente do MDC-MG.
“O que ocorreu no passado é uma situação que não dá para imaginar nos dias de hoje”, se surpreendeu a jovem Juliana Mara Silva Correia, que, assim como o real, completa 18 anos. Aluna do terceiro ano do ensino médio, ela cursa inglês no Number One: “O mercado de trabalho está bem competitivo. Temos de saber outra língua. Mas, em relação ao passado (a inflação galopante), posso dizer, então, que tive sorte de nascer na era do Plano Real”, concluiu Juliana sem saber que seus pais, “ele é porteiro e ela, dona de casa”, ainda se recordam dos falidos planos econômicos anteriores ao Real.
No governo José Sarney, por exemplo, o Plano Cruzado teve como uma das características o congelamento de preços. No governo Collor, houve o confisco da caderneta de poupança. O Real, por sua vez, pôs fim à inflação galopante sem recorrer às duas medidas. Mas domá-la não foi tarefa fácil.
“Dois fatores foram fundamentais para o sucesso do Real. O primeiro foi a desindexação da economia com a Unidade Real de Valor (URV), que contribuiu para se ter uma referência estável de preços. Quando a moeda entrou em vigor, os preços, por meio da URV, já tinham uma certa estabilidade. O segundo aspecto fundamental foi a chamada âncora cambial. Naquele momento, o câmbio era fixo, com o BC determinando a taxa de câmbio e, ao mesmo tempo, houve a abertura comercial externa no Brasil. As importações passaram a ter tarifas mais baixas, garantindo por meio da concorrência a estabilidade de preços”, explicou o economista Mauro Rochlin.

Desafios para o futuro da economia

O real chega à fase “adulta” consolidado, mas diante de vários desafios. O maior deles é recolocar o país na rota de um crescimento robusto, como ocorreu em 2010, quando o Produto Interno Bruto foi de 7,5%, o que levou a presidente Dilma Rousseff a classificá-lo como “um pibão”. Em 2011, o PIB caiu para 2,77%. Para este ano, segundo o relatório Focus, deve fechar em 2,18%. “A receita é o governo acelerar os investimentos. Veja: a construção de uma hidrelétrica pelo estado pode estimular aportes privados”, defendeu o economista Mário Rochlin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
O economista Paulo Casaca, da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), diz que outra fórmula é o governo pensar mais em reformas estruturais, como a Fiscal e a Tributária. “São pautas que precisam voltar à discussão. O poder público tem adotado medidas pontuais e emergenciais (como a redução de impostos em alguns setores). Porém, não resolvem o problema a longo e médio prazos”.
Para o economista Wanderley Ramalho, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas Administrativas e Contábeis (Ipead), “uma economia não pode confiar apenas no consumo. A médio e a longo prazos são precisos mais investimentos”. Fernando Henrique, o vendedor de chapéus, tem uma sugestão para impulsionar a economia: acabar com a corrupção e investir o dinheiro da “roubalheira” em projetos sociais.

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